23 de dezembro de 2011

Desgutando zouk: experimentando a interpretação criativa pelos sentidos

Durante a semana de imersão com Patrícia Leal tive contato com sua proposta de interpretação criativa pelos sentidos, fruto da sua pesquisa durante o doutorado em Artes. Em salsa de aula, trabalhamos com certo isolamento dos sentidos da seguinte maneira:

- 1º dia: trabalho no chão com estímulo saboroso (olfato + paladar);

- 2º dia: trabalho em cinesfera reduzida (centro) com estímulo visual;

- 3º dia: trabalho em cinesfera ampliada (diagonal) com estímulo auditivo;

- O tato apareceu em todos os momentos como sentido integrador.

Nos bailes de zouk somos bombardeados ao mesmo tempo por estímulos sonoros, visuais, táteis e olfativos. Entretanto, a maioria dos zoukeiros acreditam ser a música a única responsável por suas “viagens dançantes”. A idéia de experimentar dançar degustando surgiu do hábito que tenho de levar chocolate para os bailes para evitar hipoglicemia. Na última maratona de zouk (29/10/11) resolvi degustar lentamente duas trufas enquanto dançava. Imagens, sons, cheiros, texturas e sabores: tudo junto e misturado!

“Um estímulo sonoro organiza o gesto no tempo, e isto se reflete em termos rítmicos. A fluência organiza pulsações internas, não métricas, relacionadas ao ritmo interno. O tempo, associado ao som, organiza o ritmo externo, métrico. Outra característica observada em relação ao som é a capacidade de colocar em deslocamento. Olfato, paladar e tato tendem a levar o movimento para dentro, próximo do corpo. Visão e audição levam o movimento para fora, ganhando o espaço. O olfato e o paladar organizam a integração do indivíduo, o tato facilita o relacionamento. A audição somada a esse processo promove o deslocamento do relacionamento dos indivíduos, que a visão concretiza no espaço”.( LEAL, 2009, p.73)

Sem informar da minha experiência, escolhi dois “cobaias” e lhes ofereci um naco de trufa, porém ambos recusaram e até mesmo acharam esquisito (- tem certeza que não vai se engasgar?). O zouk sabor chocolate ao leite me levou à desaceleração em movimentos sem pausa. Na noite de 10/12/11, repeti o experimento de outra maneira. Escolhi como alimentos chocolate 70%, chocolate ao leite com crocante de amendoin, limão e queijo gorgonzola, representando respectivamente os gostos amargo, doce, ácido e salgado (embora este último seja atualmente classificado como gosto umami·). Na verdade, acho que o termo sabor é mais adequado aqui, visto que sua sensação resulta de uma associação complexa entre gosto, aroma, textura e temperatura, que podem proporcionar prazer, desgosto e\ou outras sensações.

Desta vez informei meu colaborador sobre o que pretendia fazer: dançar saboreando o alimento na boca pelo maior tempo possível, observando as mudanças nas quatro qualidades do movimento: fluência, tempo, peso e foco. Como fiz questão de que a experimentação acontecesse durante um baile, é importante ressaltar que não foi possível controlar as demais variáveis. Começamos pelo chocolate amargo, e na música seguinte pelo chocolate ao leite. Algumas músicas depois, dançamos chupando limão (para assombro de muitos). O último zouk foi dançado ao sabor de gorgonzola. Meu colaborador referiu não ter percebido mudanças na forma de dançar e que seria natural dançar diferente com músicas diferentes. Eu, entretanto, percebi o seguinte:

- Graus de fluência (da mais controlada à mais livre): limão, chocolate amargo, gorgonzola, chocolate ao leite;

- Graus de peso (do mais leve ao mais firme): limão, chocolate amargo, gorgonzola, chocolate ao leite;

- Graus de tempo (do mais rápido ao mais lento): limão, chocolate amargo, gorgonzola, chocolate ao leite;

A concentração no sabor me levou a dançar de olhos fechados a maior parte do tempo, o que não me permitiu

avaliar a qualidade de foco, mas dançar no salão faz-se necessário um olhar multifocado para dar conta de

perceber distancias e aproximações de outros casais.

Mesmo ciente de que essa experimentação não tem nenhum valor científico, as minhas percepções parecem coincidir com análise de outros pesquisadores:

“Livre, multifocado, leve e lento são consideradas qualidades indulgentes ou entregues. Controlada, direto, firme e rápido são consideradas qualidades não-indulgentes ou condensadas”. (SERRA, 1990 e FERNANDES, 2002, citados em LEAL, 2009, p.55)



· O umami é o quinto gosto básico do paladar humano e desde 2000 se juntou aos já conhecidos doce, amargo, azedo e salgado. A palavra umami é de origem japonesa e pode ser traduzida como delicioso ou saboroso. Basicamente três substâncias são responsáveis por proporcionar o quinto gosto básico, o ácido glutâmico, o inosinato e o guanilato, que podem ser encontradas naturalmente em determinados alimentos, sobretudo os ricos em proteína, como queijos fortes.

LEAL, P. Amargo Perfume: a dança pelos sentidos. 2009. 227f. Tese (doutorado em Artes) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2009.

Anexo IV da pesquisa "AXIAL ZOUK ou QUERO SER GRANDE ou ainda ADEUS DORFLEX", apresentado como IIª avaliação da disciplina Estudos do Corpo IV, sob orientação de Clara Trigo, Fafá Daltro, Patrícia Leal e Marcelo Moacyr em 2011-2

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