Anteprojeto de estágio pedagógico apresentado
como requisito parcial de avaliação de DANA 20 – Prática da Dança na Educação, sob
orientação do Prof. Dr. Antrifo Ribeiro Sanches Neto.
APRESENTAÇÃO
Dança de Salão é um conjunto de danças
sociais executada em
dupla. Cada um de seus subconjuntos, denominados “ritmos”,
(ex: tango, bolero, forró), possui um repertório coreográfico próprio
estreitamente relacionado a um repertório musical. A comunicação entre o par
dançante é principalmente tátil-cinestésica, o que permite que os movimentos
sejam seqüenciados de forma improvisada, ou seja, sem a necessidade de
combinação prévia (composição). Outra característica é que o par dança geralmente
se deslocando por um espaço social delimitado (salão de baile).
Cartesianas[1] em
suas coreografias e discursos, a dança de salão é tradicional e
majoritariamente praticada por duas pessoas do sexo oposto, onde as ações de
decisão (composição da seqüência, direção e duração do movimento) são
reservadas aos “cavalheiros” (homens/masculinos). Às “damas”
(mulheres/femininas), cabe compreender e executar silenciosa e sensualmente as
decisões tomadas por seu parceiro, exibindo-se como resultado de suas
competências racionais.
O embrião deste projeto de estágio surgiu no semestre passado, durante o
componente curricular Estudos Monográficos sobre Tópicos em Dança, fruto dos
meus excessos de questionamentos, que generosamente foram desdobrados e
esquematizados pela professora Márcia Mignac, da Escola de Dança da UFBA.
Deixado de molho por algum tempo, ele foi crescendo e tomando contornos de uma
vontade de investigar estratégias metodológicas para uma prática dialógica,
crítica e criativa das danças de salão em Salvador, capazes de rasurar seus
dizeres e remobilizar seus fazeres sociais a partir de frestas na sua estrutura
padrão de aula.
Mas o que seria uma prática dialógica,
crítica e criativa na dança de salão? Para mim, é pensar a dança de salão como um
desafio de improvisar a dois, onde ambos os parceiros possam interferir na
dança do outro a fim de construir uma dança conjunta, transcendendo a idéia
monológica de condução, onde “alguém é o emissor privilegiado da informação e
ao outro cabe a missão de obedecer adequadamente aos estímulos” (SILVEIRA, 2012,
p-36). Uma prática dançante que não se permite enclausurar em regras ou
características hegemônicas; uma prática onde se questiona, onde se
experimenta; prática de corpos que se percebem e que trocam com o mundo do qual
fazem parte.
O caráter interventivo desse projeto
pressupõe uma prática pedagógica pré-existente, cujo responsável pelas aulas
estivesse disposto a compartilhar espaço, idéias e ações. Encontrei em Daniel Costa , meu
colega de Licenciatura em Dança e velho parceiro de baile, um colaborador
disposto a acolher minhas intervenções em suas aulas, experimentando assim,
junto comigo, novos fazeres e dizeres na dança de salão.
Uma proposta dialógica, crítica e criativa realizada em uma práxis pedagógica
colaborativa sobre danças dançadas a dois pede nada menos que sua escrita
mantenha a mesma lógica. Mas como representar as muitas vozes de todos aqueles
que tem compartilhado comigo suas danças e ideias, dúvidas e certezas ao longo
desses quatorze anos de prática de dança de salão? A solução para esse dilema
veio com a recém defendida tese
de doutorado Antrifo Sanches, escrita em formato de diálogo dramatúrgico que,
por arte do destino, veio a se reencontrar comigo este semestre na qualidade de
meu orientador de estágio, encontro esse que não estava em nossos planos.
Precedente aberto para transgredir também a escrita acadêmica, me desafio
a construir um trabalho de conclusão de estágio em formato literário, onde a
discussão da práxis, a partir dos registros de um diário de campo e planos de
aulas, se dê em forma de diálogo com parceiro(a)s fictício(a)s.
Mesmo ciente dos riscos de transgredir um modelo de pesquisa já aceito
na academia, acredito que este projeto me proporcionará uma experiência
intelectual única, desafiadora e criativa, de inventar uma escrita que conserve
a leveza, espontaneidade e vivacidade do diálogo sem abrir mão da qualidade e
do rigor acadêmico de um trabalho de conclusão de estágio. Afinal de contas, não pode por quê?
JUSTIFICATIVA
“O que determina a escolha
metodológica – consciente ou não - de um professor de dança é o seu estar no
mundo, que reflete o seu pensar e agir em sociedade sobre corpo, dança e
educação”. (MARQUES, 2003, p-143).
Na modernidade educar
significava disciplinar a subjetividade e treinar os indivíduos, concebidos e
tratados como passivos e uniformes, para obter cópias perfeitas do conjunto de
“verdades incontestáveis e imutáveis”, socialmente legitimado como
conhecimento. Para Najmanovich (2001) tais modelos, denominados positivistas,
propunham uma educação reprodutora, onde o fluxo de informação se dá apenas do
professor para os alunos, que devem ser capazes de provar sua capacidade de
reproduzir cópias mecânicas do conhecimento transmitido em um tempo médio
estipulado por especialistas.
Em contraposição, a autora
comenta que, na perspectiva pós-positivista, o conhecimento passou a ser concebido como “um
processo dinâmico e encarnado em sujeitos e instituições sociais em interação
com seu meio vital e em permanente transformação” (NAJMANOVICH, 2001, p-129),
onde o professor experimenta o papel de articulador e promotor de atividades e
se propõe a existência de saberes em lugar das verdades eternas.
Delors (2004)
defende a educação como uma experiência global e, para que isso aconteça, defende que as práticas pedagógicas devam
preocupar-se em desenvolver quatro aprendizagens fundamentais, “os
quatro pilares do conhecimento”:
aprender a conhecer (abertura para o conhecimento que liberta verdadeiramente
da ignorância), aprender a fazer (coragem de executar, de correr riscos, de
errar mesmo na busca de acertar), aprender a conviver (desafio da convivência
que apresenta o respeito a todos como caminho do entendimento) e aprender a ser
(papel do cidadão e objetivo de viver).
Segundo Marques (2003), os
avanços no ensino da dança no Brasil parecem ser ignorados pela grande maioria
de artistas-professores, o que sugere uma crença na experiência artística como
fator determinante da habilidade de ensinar a dançar. Argumenta ainda que a utilização
inadequada da terminologia da ciência da educação por grande parte dos
professores de dança é um dos fatores que revela o despreparo pedagógico
destes profissionais e
propõe uma “comparação geográfica” para a compreensão dessa terminologia, onde
a didática seria o “mapa do território”, as metodologias as “vias de acesso”,
os procedimentos metodológicos os “meios de transporte” para se chegar a um
determinado local (objetivos) e os conteúdos as “cargas” que se quer
transportar.
Salvo as peculiaridades de
cada profissional, o processo de ensino-aprendizagem das danças de salão em
Salvador tem nos “PASSOS” (seqüências de movimentos) seu principal conteúdo,
transmitidos quase que exclusivamente pela demonstração e imitação visual e
aprendidos pela repetição mecânica e acrítica dos mesmos. Dessa forma, ao longo
de seus mais de seis séculos de existência, a dança de salão tem orgulhosamente
moldado o comportamento social considerado adequado e desejável para suas damas
e cavalheiros.
Como conseqüência de tal
modelo de ensino-aprendizagem, é possível observar atualmente em Salvador uma
geração de praticantes que compõem suas danças através de ações de “copiar-colar”
os passos aprendidos em sala de aula de forma acrítica, poucas vezes
considerando os demais aspectos, como espaço físico do salão, dinâmica coletiva
de deslocamento, conexão com seu par, mostrando geralmente despreparo para o
improviso que frequentemente vezes se faz necessário. Aceita-se com muita
tranqüilidade as verdades sobre aquilo que se pode e o que não se pode fazer
nas danças de salão.
Considerando os quatro
pilares do conhecimento anteriormente citados, este projeto pretende refletir
sobre a metodologia dos passos e propor estratégias metodológicas capazes de
capacitar os alunos e alunas de dança de salão para uma prática dialógica,
crítica e criativa em seu fazer social, oportunizando “conhecimentos
e incentivos para que possam experimentar e criar suas próprias danças” (MARQUES, 2003, p-156).
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para discutir corpo, dança, educação e mundo na contemporaneidade
buscarei apoio teórico em autores como GREINER (2005) e KATZ (2011)
(corpomídia), TRIDAPALLI (2008) (investigação criativa em dança), MARQUES
(2003) e NAJMANOVICH (2001) (educação transformadora), SETENTA (2008) (fazeres
e dizeres na dança) e AGAMBEN (2007) (profanações).
OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL
Investigar estratégias metodológicas para uma prática dialógica, crítica
e criativa das danças de salão em Salvador, capazes de rasurar seus dizeres e
remobilizar seus fazeres sociais a partir de frestas na sua estrutura padrão de
aula.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
·
Refletir sobre o modelo de aula
majoritariamente utilizado para o ensino das Danças de Salão em Salvador;
·
Estimular um
processo de ensino-aprendizagem baseado na proposição de problemas;
·
Identificar os fazeres e
dizeres que atuam na manutenção do modelo binário, machista e heteronormativo
de poder;
·
Apontar a improvisação como habilidade necessária para a
dança de salão;
·
Contribuir para
a re-significação conceitual de corpo, dança, educação e mundo;
CONTEÚDOS
Considerando os quatro pilares do
conhecimento (Delors, 2004), este projeto propõe atividades dentro de seis
conteúdos considerados fundamentais para a construção de uma rede
teórico-prática de conhecimentos que aproxime a compreensão e a prática das danças
de salão do pensamento contemporâneo em dança.
·
Problematização
dos conceitos de corpo, dança, educação e mundo;
·
Percepção do corpo (do meu e do outro) quando em movimento de dança;
·
Percepção da comunicação tátil-cinestésica: do monólogo da condução ao
diálogo da proposição
·
Percepção espacial (direção, sentido, desenho do movimento, níveis)
·
Percepção musical (ritmo, pulso, andamento, acento, tempo e contratempo);
·
Improviso e
criação;
METODOLOGIA
O aprendizado restrito à imitação/reprodução
das técnicas e repertórios das danças de salão contribui muito pouco para a
construção da autonomia de seus praticantes. Para Marques (2003), os alunos
devem receber do professor “conhecimentos
e incentivos para que possam experimentar e criar suas próprias danças”.
Este projeto se inspira nos princípios da
“Dança no Contexto®”, metodologia desenvolvida e proposta para o ensino da
dança por Marques, a saber: problematização, criação de uma rede de
conhecimentos, transformação dos conteúdos específicos da dança e postura
crítica diante do mundo, desenvolvendo os conteúdos específicos das danças de
salão em consonância com conceitos de corpo, dança, educação, professor-aluno,
relevantes e significativos para o cidadão contemporâneo.
A partir da
observação dos fazeres e dizeres de caráter restritivo e, especialmente,
aproveitando as fala do que “não pode” nas danças de salão, pretende-se
“perfurar” a estrutura padrão de aula já estabelecida através da deixa “NÃO
PODE POR QUÊ?”. Será explicado aos participantes que tal pergunta não é
dirigida pessoalmente ao autor do “não pode”, e uma oportunidade de
problematizar e investigar nossos fazeres e dizeres.
O estágio acontecerá na Academia Bahiana
de Dança de Salão (ABDS), primeira instituição especializada no ensino das
danças de salão em
Salvador. O projeto, iniciado em 04 de junho de 2013, acontecerá
aos sábados e será aplicado em duas turmas, sendo uma de forró (das 14h30-16h)
e outra de salsa (das 16h30-18h), ambas consideradas pela ABDS como nível iniciante,
perfazendo uma carga horária de 3h semanais. Vale ressaltar que o por abordar
conteúdos comuns a qualquer repertório de dança de salão, o tema das aulas
(salsa ou forró) não comprometerá a execução do projeto.
RECURSOS
Espaço físico com piso
liso, aparelho de som, MP4 ou CDs com músicas, cartolina, caneta PILOT de
várias cores, fita adesiva, computador com acesso a internet, câmera
fotográfica.
CRONOGRAMA
MÊS
|
SEMANA
|
ATIVIDADES
|
JUNHO
|
1ª semana
|
·
Observação de
fora
·
Registro em
diário de campo
|
2ª semana
|
·
Observação
participante
·
Registro em
diário de campo
|
|
3ª semana
|
·
Observação
participante
·
Registro em
diário de campo
|
|
4ª semana
|
·
Apresentação
do projeto de estágio às turmas
·
Aplicação do
questionário de diagnóstico de dificuldades
·
Início das
intervenções pedagógicas
·
Registro em
diário de campo
|
|
JULHO
|
1ª semana
|
·
Desenvolvimento
das intervenções pedagógicas
·
Registro em
diário de campo
·
Escrita do
projeto
|
2ª semana
|
||
3ª semana
|
||
4ª semana
|
||
5ª semana
|
·
Desenvolvimento
das intervenções pedagógicas
·
Avaliação parcial
do processo
·
Registro em
diário de campo
·
Escrita do
projeto
|
|
AGOSTO
|
1ª semana
|
·
Desenvolvimento
das intervenções pedagógicas
·
Registro em
diário de campo
·
Escrita do
projeto
|
2ª semana
|
||
3ª semana
|
||
4ª semana
|
||
5ª semana
|
·
Desenvolvimento
das intervenções pedagógicas
·
Registro em
diário de campo
·
Avaliação
final do processo
·
Escrita do
projeto
|
|
SETEMBRO
|
1ª semana
|
·
Conclusão da escrita
do projeto
·
Entrega do TCE
à banca avaliadora
|
2ª semana
|
·
Apresentação
do projeto e entrega do TCE
|
[1] Cartesianismo é uma forma de racionalismo derivado
do pensamento do filósofo René Descartes. Ele sustenta-se no dualismo
mente-corpo, em que a essência da mente é pensar e a do corpo ou matéria é
existir em três dimensões (WIKIPEDIA). Ao declarar a supremacia da razão/mente sobre a
emoção/corpo (“penso, logo existo”),
o racionalismo cartesiano disseminou, a partir do século XVII, uma concepção
binária de mundo, alocando as coisas em pares binomiais hierarquicamente
relacionados.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGAMBEN, G. O Elogio da Profanação, in Profanações.
São Paulo: Boitempo, 2007.
CARTESIANISMO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida:
Wikimedia Foundation, 2013. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Cartesianismo&oldid=36062827>.
Acesso em: 27 jun. 2013.
FOUCAULT, M. Vigiar e
Punir. 6ª ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
GREINER, C. O Corpo: pistas
para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.
KATZ, H. A Natureza Cultural do Corpo, in Revista Fronteiras,
vol. III, nº 2, 2011, p. 65-75.
MARQUES, I.
Metodologia para o Ensino de Dança: Luxo ou Necessidade? in Lições de Dança nº04. Rio de Janeiro:
UniverCidade, 2003.
NAJMANOVICH, D.
Para Novas Paisagens Educativas, in O
Sujeito Encarnado – Questões para Pesquisa no/do Cotidiano. Rio de Janeiro:
DP&A, 2001
DELORS, J. Educação: um fenômeno a descobrir. São
Paulo, Cortez, 2004
SETENTA, J. S. O
Fazer-Dizer do Corpo: dança e performatividade. Salvador: EDUFBA, 2008.
SILVEIRA, P. V. Diálogos
de um Ser a Dois: uma perspectiva para dançar tango. Trabalho de Conclusão
de Curso (Licenciatura em Dança). UFRGS:
Porto Alegre, 2012.
TRIDAPALLI, G. S. Aprender
Investigando: a educação em dança é criação compartilhada. Dissertação
(Mestrado em Dança). UFBA, Salvador, 2008.
WELZER-LANG, D. A Construção do
Masculino: dominação das mulheres e homofobia, in Revista Estudos Feministas,
vol. 9, nº 2, 2001. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2001000200008
> Acesso em 26/02/2013.