23 de abril de 2011

Um Corpo para as Danças Sociais a Dois

Em conversa com meu mui estimado colega Daniel Costa, me foi dito que o professor Oswaldo Florêncio (conhecido como Mestre Oswaldo - RJ) propôs em seu último workshop em Salvador (dias 15 e 16 de abril de 2011) a "execução de alguns movimentos característicos do tango argentino utilizando um corpo de bolero".

Isso me fez pensar: se que cada "ritmo" de dança de salão (bolero, tango, soltinho, samba, etc) necessita de "determinadas características corporais" na hora de dançar, o que acontece então com as características pessoais de cada dançarino? Será preciso desenvolver vários "corpos de dança" num só corpo? Isso seria possível? Pensando na logísticas dos bailes de dança de salão como se dará tal transformação a cada mudança de gênero musical?

No Compasso do Samba

Aproveitando um trecho de uma discussão que passou pelo tema TEORIA MUSICAL/ MUSICALIDADE aqui no Social Samba e o privilégio de ter Sérgio Souto, que é formado em música, como professor de Estudos de Processos Criativos III no meu curso de licenciatura em dança, transcrevo aqui sua resposta ao email que lhe enviei com minhas dúvidas:

"O samba basicamente é em 2/4. Algumas raras exceções para o samba em 3/4 tipo Cravo e Canela de Milton Nascimento (http://www.youtube.com/watch?v=MVnfXLlrhPo&feature=player_embedded). A síncope é uma característica do samba. "A síncope (também chamada de sincopa) é um diferencial do samba em relação a outros ritmos, ela causa a “descontinuação” da seqüência rítmica, rompe com a constância. E acontece, quando se desloca a acentuação, ou seja, uma nota que normalmente soaria em um tempo fraco é acentuada soando forte, provocando assim uma sensação de algo inesperado" (Ernani Maller).

A teoria musical é única e indivisível no que diz respeito à música ocidental. A notação musical é a grafia da música e portanto parte dessa Teoria Musical. Ela surge a partir da necessidade de sistematizar e teorizar uma prática previamente existente. Teoria musical e musicalidade não são sinônimos. A primeira diz respeito à legislação da música, à gramática músical, à sua sistematização. A segunda eu compararia a um termômetro da percepção musical como também uma graduação, uma escala (não tão facilmente mensurável) na aptidão e na capacidade de execução musical.

Queria frisar a diferença entre "dobrar o tempo" e subdividir o tempo. Dobrar o tempo é quando em uma música você inicia num andamento tipo semínima= 60 e num determinado ponto ela passa para semínima=120, ou seja o andamento da música fica duas vezes mais rápido. Já subdividir o rítmo é quando você está tocando ou dançando em semínimas e passa a subdividir tocando ou dançando em colcheias e depois subdivide ainda mais em semicolcheias. E isso tanto vale pra quem toca, canta ou dança!!!

19 de abril de 2011

TANGO aDEUS

Ficha Técnica:

Concepção, coreografia, figurino, iluminação e interpretação: Luis Arrieta

Música: Sebastian Piana, Homero Manzi, Astor Piazzolla, Rodolfo Mederos, Juan Carlos Cobian, Leonid Desyatnikov e Giya Kancheli.

Iluminador: Silviane Ticher

Assitente de Palco: Claudia Calachi

Não existe um só tijolo, um só paralelepípedo, uma só esquina, um só pátio, um só céu, uma só lua, um só homem ou mulher, que não carregue e transpire tango em Buenos Aires”. É assim que Luis Arrieta, coreógrafo argentino radicado no Brasil, explica a idéia por trás de seu novo espetáculo, Tango aDeus, que estreou em Salvador na segunda noite do VIVADANÇA Festival Internacional Ano 5. Neste solo, Arrieta compreende o tango como linguagem inerente ao modo de ver e viver o mundo dos portenhos, denominação dada àqueles que nasceram na Cidade de Buenos Aires.

Com as cortinas ainda fechadas ouve-se um tango instrumental e um texto narrado em espanhol pela voz de um homem em off. Ao abrirem-se as cortinas, o público se depara com um ambiente cinzento, enevoado, deserto e decadente, com paredes gastas e canos de água expostos. O intérprete está de costas para o público no fundo à direita do palco. O homem em cena aparenta ter mais de 50 anos. Alguém na platéia diz: - É esse velho quem vai dançar?

Aos 59 anos (38 deles dedicados à dança), Luis Arrieta parece contar com tal reação e executa seus movimentos oscilando entre o cansaço e o vigor, o vacilo e a precisão. A idéia de passagem do tempo ganha força com a proposta de maquiagem (rosto pálido e olhos fundos) e de iluminação (a exemplo do quadrado de luz no centro do palco que vai diminuindo concentricamente até se apagar, bem como no movimento de translação das luzes em torno do artista imóvel). Podia ver-se “o tempo moendo o homem, o homem driblando o tempo e a dor da partida, movimentando-se pela angústia da chegada”, utilizando as palavras de Gil Vicente Tavares em crítica para o observatório do Festival (disponível em http://www.teatrovilavelha.com.br/festivalvivadanca5/pt/observatorio/159-ai-e-com-tadashi-luis-arrieta-e-as-baleias.html)

O que escutei, cuja entonação de voz localizo entre a surpresa e a descrença, me fez refletir o quanto nós ainda estamos presos a um modelo de corpo para a dança, mesmo nos acreditando contemporâneos de nosso tempo. O quanto ainda nos deleita ver em cena corpos jovens, belos e virtuosos. De que forma nós, estudantes-dançarinos, estamos lidando na nossa prática com tais modelos de corpo? O que somos capazes de fazer para obtê-los? Como reagimos à perspectiva da passagem do tempo? Estará mesmo a carreira de dançarino fadada a uma vida curta? Terá o corpo que dança um prazo de validade?

Todo corpo é limitado porque essa é a condição do corpo humano. A diferença é que enquanto alguns dançarinos desistem perante suas limitações, outros as têm utilizado como possibilidades de criação. Arrieta mostra que é possível envelhecer dançando profissionalmente enquanto houver desejo de continuar a expressar-se através do corpo. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo (versão digital disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,coreografo-luis-arrieta-inicia-novo-ciclo,659511,0.htm) ele diz: “Muitos bailarinos passam a vida pensando que dança é movimento, e movimento é transformação, mas não incluem nessa transformação aquela que acontece ao corpo quando ele envelhece. É a busca da dignidade que importa em todas as transformações e, para tal, deve-se ter consciência de que o tempo passa”.

Em Tango aDeus, Arrieta expôs ao público as memórias das suas experiências corporais de vida e de dança: dores, amores, silêncios e perdas registradas em seu corpo “gasto” pelo tempo num solo criado para uma dança a dois. Um tango a Deus? Ou talvez um adeus aos seus anseios de outrora para assim redescobrir as possibilidades de seu corpo maduro, contribuindo para desmistificar estereótipos sobre o corpo que pode dançar.

Texto elaborado para a primeira avaliação do Módulo Esctudos Críticos-Analíticos III em 2011-1