7 de abril de 2015

O XY da Questão! Danças de salão como dispositivo de identidades binárias de gênero

Projeto de pesquisa apresentado (e aprovado!!!!!) no processo seletivo para ingresso na turma 2015 do Programa de Pós Graduação em Dança – Mestrado Acadêmico da Universidade Federal da Bahia

Uma questão a investigar
                                                             
“Achei ótimo vocês duas dançando, mas não consegui perceber quem estava fazendo o homem” - disse admirada uma das damas do baile ao ter me visto dançando com outra mulher, com ambas se revezavam na condução. Nascia assim, há sete anos, a questão de dança de salão a investigar que tem orientado o meu percurso na Escola de Dança da UFBA.

“Basta ter uma questão a investigar, você tem?” - repetia com tranqüilidade a professora Adriana Bittencourt, me incentivando a participar da seleção para aluna especial do mestrado em dança. E foi assim que, em 2007, comecei minha história nesta Escola. De 2008 a 2010.1, enquanto aluna especial da graduação, a questão foi se desenvolvendo em estudos corporais, coreográficos, críticos-analíticos e pedagógicos.

Foi quando me dei conta de que a questão havia crescido e que deveria seguir na licenciatura, agora como aluna regular. Desde então fui me libertando das certezas e acolhendo as dúvidas até que elas se tornassem um hábito. E a questão seguiu ganhando maturidade. Em 2012, ela começou a mostrar vocação para a pesquisa, primeiro na forma de um projeto de mestrado como exercício de escrita, logo depois como projeto de estágio curricular até que, finalmente, desabrochou como o trabalho de conclusão de estágio E Se...? Possíveis brechas pedagógicas para uma dança de salão dialógica, crítica e criativa, defendido em 2013. Incansável, a questão se revisou e novamente se apresenta como projeto de mestrado, dessa vez decidida a encarar a seleção.

Inquietação pessoal. Investigações corporais, artísticas, crítico-analíticas, pedagógicas. Prática de estágio. Exercício de reflexão e escrita. Experiência de vida. Mas a questão acredita que seu melhor ainda está por vir, por isso insiste em reticências, sedenta por se tornar aprendizado de pesquisa. E que o mestrado seja apenas o começo dessa vontade de seguir em frente!


Discursos habitam corpos

“Na raiz de todo dispositivo está, de algum modo, um desejo demasiadamente humano de felicidade”. (AGAMBEN 2009)

“Penso, logo existo”. Ao declarar a supremacia da razão/mente sobre a emoção/corpo, o racionalismo cartesiano disseminou, a partir do século XVII, uma concepção binária de mundo, alocando as coisas em pares binomiais hierarquicamente relacionados. Quase quatro séculos depois, apesar do surgimento de novas idéias e tecnologias, o pensamento cartesiano ainda permanece impregnado na sociedade contemporânea.

Um exemplo disso é a hegemonia de um modelo binário, machista e heteronormativo de sexo, gênero e desejo que divide a humanidade em “homens/ masculinos/ que-gostam-de-mulheres” e “mulheres/ femininas/ que-gostam-de-homens”, negando a possibilidade de outras identidades fora do par binomial. Além disso, ao associar os homens à razão e as mulheres à emoção, tem naturalizado a supremacia deles sobre elas. Tal modelo parece ter encontrado na pretensão elegante das danças de salão um terreno fértil para a sua (re) produção.

Binárias em suas coreografias e discursos, as danças de salão[1] são tradicional e majoritariamente praticadas por um homem e uma mulher, onde eles pensam e conduzem, enquanto elas sentem e seguem. Tal prática naturaliza uma aquisição de conhecimento assimétrica, onde pressupõe-se que, para dançar bem, eles precisam saber mais que elas. Dessa forma, as danças de salão parecem ter (re) produzido com sucesso um modelo social binário, machista e heteronormativo em seus ambientes de ensino e entretenimento (bailes).


No universo das danças de salão, para além do sexo, gênero e sexualidade, uma pessoa dança papéis sociais: ela será um cavalheiro ou uma dama a partir da parte coreográfica que esteja executando. Quando alguém dança a parte complementar à do seu sexo, diz-se que essa pessoa está “fazendo” o cavalheiro (condutor) ou a dama (conduzida). Nas milongas queers, onde se pratica tango com alternância de condução, a condição de ativo/passivo se mantém, apesar dos termos cavalheiro/dama terem sido substituídos pelos de condutor/conduzid@. Ou seja, a performance parece manter-se binária e hierárquica.

Na cena atual das danças de salão em Salvador uma mulher que sabe, e mais ainda, que pratica a condução é motivo de assombro. Presume-se, inclusive, que nós não tenhamos interesse em desenvolver tal habilidade. Uma mulher que conduz outra mulher ainda se justifica pelo quase sempre menor número de cavalheiros. Já se ela conduz um homem isso costuma ser motivo de piadas. Se ela o conduzir sem consentimento prévio, o fato é visto como afronta e desrespeito, como se ela quisesse ser mais homem que ele. Agora, se ela ousar conduzir ao mesmo tempo que ele, a coisa beira o incompreensível e inaceitável!

O episódio do “afinal quem estava fazendo o homem” descrito no início serviu como ignição tanto para despertar em mim uma observação mais atenta dos dizeres como para que eu experimentasse outros fazeres, na tentativa de subverter seu modelo hegemônico binário, machista e heteronormativo e de provocar reflexões sobre os dizeres e fazeres das danças de salão. A primeira intervenção experimentada foi o ato de “roubar e devolver” a condução, especialmente dos cavalheiros, de forma inesperada e sem consentimento prévio. Com o passar do tempo, a estratégia do “roubo” se transformou em interferências concomitantes à condução, sem que haja necessariamente mudanças na posição do abraço. Desde então as interferências simultâneas na condução tornaram-se minha principal estratégia para dançar a dois.

Neste projeto de pesquisa me proponho a apontar as danças de salão como dispositivo produtor de fazeres e dizeres que atuam na manutenção de um modelo social hegemônico binário, machista e heteronormativo de sexo, gênero e desejo nos bailes e práticas de Salvador, esperando ser capaz de vislumbrar possíveis brechas por onde desativá-lo.

É provável que este projeto ganhe contornos etnográficos, já que meu lugar de fala será o de pesquisadora-praticante nos bailes de danças de salão, de onde registrarei os fazeres e dizeres através de anotações, filmagem, depoimentos, questionários e entrevistas semi-estruturadas aplicadas aos praticantes destas danças. A partir dos dados coletados procederei à caracterização e análise crítica do baile, por mim entendido como lugar de prática compositiva de coreografias sociais dançadas a dois. Para fundamentar o desenvolvimento crítico, analítico e político dessa discussão escolhi me aproximar de teóricos como Greiner e Katz (corpomídia), Foucault (discursos, dispositivos e relações de poder), Agamben (dispositivos e profanações), Butler (gênero e performatividade) e Setenta (dança e performatividade).

Apesar do seu amadurecimento nestes sete anos de vida, acredito que a questão necessita de um aprofundamento teórico-prático que permita propor as danças de salão como objeto de pesquisa plausível de produção de conhecimento científico. Leituras críticas, analíticas e políticas que problematizem os fazeres e dizeres das danças de salão, discursos que habitam corpos que dançam e estão no mundo, tem sido no mínimo raros. Acredito que seja papel da Universidade contribuir com estudos dessa ordem, na necessidade de produção de conhecimentos sistematizados, colaborativos que dialoguem com outros setores da sociedade e sirva de referencial teórico para outras pesquisas neste campo. Dessa forma, a dança como área de conhecimentos se fortalerecá e suscitará a necessidade de suas intervenções em outros campos de atuação.

Danças de salão. Manifestação cultural. Tradição. Código de conduta de damas e cavalheiros transmitidos de geração a geração. Gêneros performados em passos, compassos, métricas, músicas. Sedução, autocontrole. Fazeres e dizeres de um comportamento elegante. Por onde desestabilizá-los?



[1] Conjunto de danças sociais executada por casais, constituída por sua vez, por diversos subconjuntos denominados “ritmos”, cujos vocabulários coreográficos se relacionam estreitamente a um repertório musical. Daí a opção pelo uso da expressão no plural.  

E Se...? Possíveis brechas pedagógicas para uma dança de salão dialógica, crítica e criativa

SINOPSE


Um baile... Uma vontade de dançar... Uma questão de dança a investigar...
Uma questão de dança de salão, que permanece viva e dinâmica há mais de
sete anos e que se tornou investigação pedagógica, prática de estágio,
exercício de escrita, experiência de vida. Uma reflexão sobre a pedagogia
tradicional da dança de salão, onde mestres ensinam passos-conteúdos a
alunos que os assimilam através da imitação-repetição. Uma dança percebida
como somatório de duas partes coreográficas complementares: a dele e a dela.
Ele decide e conduz. Ela compreende e segue.

E Se...? é fruto de uma vontade de transgredir, de trilhar caminhos não usuais,
de uma práxis pedagógica colaborativa-investigativa, realizada em time
docente. Com o tempo, a ânsia de intervir (e contrariar!) a partir dos dizeres e
fazeres considerados restritivos (não é, não tem, não pode) se transformou em
uma participação observante e reflexiva das possíveis brechas na estrutura
tradicional de aula por onde rasurar seus dizeres e remobilizar seus fazeres
sociais.

Danças de salão: comportamentos codificados em movimentos. Tradição?
Controle? E se o passo não fosse o conteúdo das aulas? E se aprendê-los
fosse além de decorá-los? E se ao imitar um passo surgissem outros para além
da cópia exata? E se o improviso a dois fosse um caminho para a (re)criação
de outros passos? E se a dança fosse resultante de decisões compartilhadas
entre o par? E se as outras possibilidades de aprender perfurassem o modelo
tradição das aulas de danças de salão?


Trabalho de conclusão de estágio pedagógico apresentado como requisito parcial de avaliação do
componente curricular Prática da Dança na Educação, sob orientação do Prof. Dr. Antrifo Ribeiro Sanches Neto. Salvador, 2013-1.

5 de outubro de 2014

NÃO PODE POR QUÊ? Problematizações pedagógicas para uma dança de salão dialógica, crítica e criativa

Anteprojeto de estágio pedagógico apresentado como requisito parcial de avaliação de DANA 20 – Prática da Dança na Educação, sob orientação do Prof. Dr. Antrifo Ribeiro Sanches Neto. 
                                                      

APRESENTAÇÃO

Dança de Salão é um conjunto de danças sociais executada em dupla. Cada um de seus subconjuntos, denominados “ritmos”, (ex: tango, bolero, forró), possui um repertório coreográfico próprio estreitamente relacionado a um repertório musical. A comunicação entre o par dançante é principalmente tátil-cinestésica, o que permite que os movimentos sejam seqüenciados de forma improvisada, ou seja, sem a necessidade de combinação prévia (composição). Outra característica é que o par dança geralmente se deslocando por um espaço social delimitado (salão de baile).

Cartesianas[1] em suas coreografias e discursos, a dança de salão é tradicional e majoritariamente praticada por duas pessoas do sexo oposto, onde as ações de decisão (composição da seqüência, direção e duração do movimento) são reservadas aos “cavalheiros” (homens/masculinos). Às “damas” (mulheres/femininas), cabe compreender e executar silenciosa e sensualmente as decisões tomadas por seu parceiro, exibindo-se como resultado de suas competências racionais.

O embrião deste projeto de estágio surgiu no semestre passado, durante o componente curricular Estudos Monográficos sobre Tópicos em Dança, fruto dos meus excessos de questionamentos, que generosamente foram desdobrados e esquematizados pela professora Márcia Mignac, da Escola de Dança da UFBA. Deixado de molho por algum tempo, ele foi crescendo e tomando contornos de uma vontade de investigar estratégias metodológicas para uma prática dialógica, crítica e criativa das danças de salão em Salvador, capazes de rasurar seus dizeres e remobilizar seus fazeres sociais a partir de frestas na sua estrutura padrão de aula.

Mas o que seria uma prática dialógica, crítica e criativa na dança de salão? Para mim, é pensar a dança de salão como um desafio de improvisar a dois, onde ambos os parceiros possam interferir na dança do outro a fim de construir uma dança conjunta, transcendendo a idéia monológica de condução, onde “alguém é o emissor privilegiado da informação e ao outro cabe a missão de obedecer adequadamente aos estímulos” (SILVEIRA, 2012, p-36). Uma prática dançante que não se permite enclausurar em regras ou características hegemônicas; uma prática onde se questiona, onde se experimenta; prática de corpos que se percebem e que trocam com o mundo do qual fazem parte.

O caráter interventivo desse projeto pressupõe uma prática pedagógica pré-existente, cujo responsável pelas aulas estivesse disposto a compartilhar espaço, idéias e ações. Encontrei em Daniel Costa, meu colega de Licenciatura em Dança e velho parceiro de baile, um colaborador disposto a acolher minhas intervenções em suas aulas, experimentando assim, junto comigo, novos fazeres e dizeres na dança de salão. 

Uma proposta dialógica, crítica e criativa realizada em uma práxis pedagógica colaborativa sobre danças dançadas a dois pede nada menos que sua escrita mantenha a mesma lógica. Mas como representar as muitas vozes de todos aqueles que tem compartilhado comigo suas danças e ideias, dúvidas e certezas ao longo desses quatorze anos de prática de dança de salão? A solução para esse dilema veio com a recém defendida tese de doutorado Antrifo Sanches, escrita em formato de diálogo dramatúrgico que, por arte do destino, veio a se reencontrar comigo este semestre na qualidade de meu orientador de estágio, encontro esse que não estava em nossos planos.

Precedente aberto para transgredir também a escrita acadêmica, me desafio a construir um trabalho de conclusão de estágio em formato literário, onde a discussão da práxis, a partir dos registros de um diário de campo e planos de aulas, se dê em forma de diálogo com parceiro(a)s fictício(a)s.

Mesmo ciente dos riscos de transgredir um modelo de pesquisa já aceito na academia, acredito que este projeto me proporcionará uma experiência intelectual única, desafiadora e criativa, de inventar uma escrita que conserve a leveza, espontaneidade e vivacidade do diálogo sem abrir mão da qualidade e do rigor acadêmico de um trabalho de conclusão de estágio.  Afinal de contas, não pode por quê?



JUSTIFICATIVA


“O que determina a escolha metodológica – consciente ou não - de um professor de dança é o seu estar no mundo, que reflete o seu pensar e agir em sociedade sobre corpo, dança e educação”. (MARQUES, 2003, p-143).


Na modernidade educar significava disciplinar a subjetividade e treinar os indivíduos, concebidos e tratados como passivos e uniformes, para obter cópias perfeitas do conjunto de “verdades incontestáveis e imutáveis”, socialmente legitimado como conhecimento. Para Najmanovich (2001) tais modelos, denominados positivistas, propunham uma educação reprodutora, onde o fluxo de informação se dá apenas do professor para os alunos, que devem ser capazes de provar sua capacidade de reproduzir cópias mecânicas do conhecimento transmitido em um tempo médio estipulado por especialistas.

Em contraposição, a autora comenta que, na perspectiva pós-positivista, o conhecimento passou a ser concebido como “um processo dinâmico e encarnado em sujeitos e instituições sociais em interação com seu meio vital e em permanente transformação” (NAJMANOVICH, 2001, p-129), onde o professor experimenta o papel de articulador e promotor de atividades e se propõe a existência de saberes em lugar das verdades eternas.

Delors (2004) defende a educação como uma experiência global e, para que isso aconteça, defende que as práticas pedagógicas devam preocupar-se em desenvolver quatro aprendizagens fundamentais, “os quatro pilares do conhecimento”: aprender a conhecer (abertura para o conhecimento que liberta verdadeiramente da ignorância), aprender a fazer (coragem de executar, de correr riscos, de errar mesmo na busca de acertar), aprender a conviver (desafio da convivência que apresenta o respeito a todos como caminho do entendimento) e aprender a ser (papel do cidadão e objetivo de viver).

Segundo Marques (2003), os avanços no ensino da dança no Brasil parecem ser ignorados pela grande maioria de artistas-professores, o que sugere uma crença na experiência artística como fator determinante da habilidade de ensinar a dançar. Argumenta ainda que a utilização inadequada da terminologia da ciência da educação por grande parte dos professores de dança é um dos fatores que revela o despreparo pedagógico destes profissionais e propõe uma “comparação geográfica” para a compreensão dessa terminologia, onde a didática seria o “mapa do território”, as metodologias as “vias de acesso”, os procedimentos metodológicos os “meios de transporte” para se chegar a um determinado local (objetivos) e os conteúdos as “cargas” que se quer transportar.

Salvo as peculiaridades de cada profissional, o processo de ensino-aprendizagem das danças de salão em Salvador tem nos “PASSOS” (seqüências de movimentos) seu principal conteúdo, transmitidos quase que exclusivamente pela demonstração e imitação visual e aprendidos pela repetição mecânica e acrítica dos mesmos. Dessa forma, ao longo de seus mais de seis séculos de existência, a dança de salão tem orgulhosamente moldado o comportamento social considerado adequado e desejável para suas damas e cavalheiros.

Como conseqüência de tal modelo de ensino-aprendizagem, é possível observar atualmente em Salvador uma geração de praticantes que compõem suas danças através de ações de “copiar-colar” os passos aprendidos em sala de aula de forma acrítica, poucas vezes considerando os demais aspectos, como espaço físico do salão, dinâmica coletiva de deslocamento, conexão com seu par, mostrando geralmente despreparo para o improviso que frequentemente vezes se faz necessário. Aceita-se com muita tranqüilidade as verdades sobre aquilo que se pode e o que não se pode fazer nas danças de salão.

Considerando os quatro pilares do conhecimento anteriormente citados, este projeto pretende refletir sobre a metodologia dos passos e propor estratégias metodológicas capazes de capacitar os alunos e alunas de dança de salão para uma prática dialógica, crítica e criativa em seu fazer social, oportunizando “conhecimentos e incentivos para que possam experimentar e criar suas próprias danças” (MARQUES, 2003, p-156).



FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 


Para discutir corpo, dança, educação e mundo na contemporaneidade buscarei apoio teórico em autores como GREINER (2005) e KATZ (2011) (corpomídia), TRIDAPALLI (2008) (investigação criativa em dança), MARQUES (2003) e NAJMANOVICH (2001) (educação transformadora), SETENTA (2008) (fazeres e dizeres na dança)  e AGAMBEN (2007) (profanações).



OBJETIVOS


OBJETIVO GERAL


Investigar estratégias metodológicas para uma prática dialógica, crítica e criativa das danças de salão em Salvador, capazes de rasurar seus dizeres e remobilizar seus fazeres sociais a partir de frestas na sua estrutura padrão de aula.


OBJETIVOS ESPECÍFICOS


·         Refletir sobre o modelo de aula majoritariamente utilizado para o ensino das Danças de Salão em Salvador;
·         Estimular um processo de ensino-aprendizagem baseado na proposição de problemas;
·         Identificar os fazeres e dizeres que atuam na manutenção do modelo binário, machista e heteronormativo de poder;
·         Apontar a improvisação como habilidade necessária para a dança de salão;
·         Contribuir para a re-significação conceitual de corpo, dança, educação e mundo;



CONTEÚDOS

Considerando os quatro pilares do conhecimento (Delors, 2004), este projeto propõe atividades dentro de seis conteúdos considerados fundamentais para a construção de uma rede teórico-prática de conhecimentos que aproxime a compreensão e a prática das danças de salão do pensamento contemporâneo em dança.

·         Problematização dos conceitos de corpo, dança, educação e mundo;
·         Percepção do corpo (do meu e do outro) quando em movimento de dança;
·         Percepção da comunicação tátil-cinestésica: do monólogo da condução ao diálogo da proposição
·         Percepção espacial (direção, sentido, desenho do movimento, níveis)
·         Percepção musical (ritmo, pulso, andamento, acento, tempo e contratempo);
·         Improviso e criação;




METODOLOGIA


O aprendizado restrito à imitação/reprodução das técnicas e repertórios das danças de salão contribui muito pouco para a construção da autonomia de seus praticantes. Para Marques (2003), os alunos devem receber do professor “conhecimentos e incentivos para que possam experimentar e criar suas próprias danças”.

Este projeto se inspira nos princípios da “Dança no Contexto®”, metodologia desenvolvida e proposta para o ensino da dança por Marques, a saber: problematização, criação de uma rede de conhecimentos, transformação dos conteúdos específicos da dança e postura crítica diante do mundo, desenvolvendo os conteúdos específicos das danças de salão em consonância com conceitos de corpo, dança, educação, professor-aluno, relevantes e significativos para o cidadão contemporâneo.

A partir da observação dos fazeres e dizeres de caráter restritivo e, especialmente, aproveitando as fala do que “não pode” nas danças de salão, pretende-se “perfurar” a estrutura padrão de aula já estabelecida através da deixa “NÃO PODE POR QUÊ?”. Será explicado aos participantes que tal pergunta não é dirigida pessoalmente ao autor do “não pode”, e uma oportunidade de problematizar e investigar nossos fazeres e dizeres.

O estágio acontecerá na Academia Bahiana de Dança de Salão (ABDS), primeira instituição especializada no ensino das danças de salão em Salvador. O projeto, iniciado em 04 de junho de 2013, acontecerá aos sábados e será aplicado em duas turmas, sendo uma de forró (das 14h30-16h) e outra de salsa (das 16h30-18h), ambas consideradas pela ABDS como nível iniciante, perfazendo uma carga horária de 3h semanais. Vale ressaltar que o por abordar conteúdos comuns a qualquer repertório de dança de salão, o tema das aulas (salsa ou forró) não comprometerá a execução do projeto.


RECURSOS

Espaço físico com piso liso, aparelho de som, MP4 ou CDs com músicas, cartolina, caneta PILOT de várias cores, fita adesiva, computador com acesso a internet, câmera fotográfica.


CRONOGRAMA

MÊS
SEMANA
ATIVIDADES


JUNHO
1ª semana
·         Observação de fora
·         Registro em diário de campo
2ª semana
·         Observação participante
·         Registro em diário de campo
3ª semana
·         Observação participante
·         Registro em diário de campo
4ª semana
·         Apresentação do projeto de estágio às turmas
·         Aplicação do questionário de diagnóstico de dificuldades
·         Início das intervenções pedagógicas
·         Registro em diário de campo


JULHO
1ª semana
·         Desenvolvimento das intervenções pedagógicas
·         Registro em diário de campo
·         Escrita do projeto
2ª semana
3ª semana
4ª semana
5ª semana
·         Desenvolvimento das intervenções pedagógicas
·         Avaliação parcial do processo
·         Registro em diário de campo
·         Escrita do projeto


AGOSTO
1ª semana
·         Desenvolvimento das intervenções pedagógicas
·         Registro em diário de campo
·         Escrita do projeto

2ª semana
3ª semana
4ª semana
5ª semana
·         Desenvolvimento das intervenções pedagógicas
·         Registro em diário de campo
·         Avaliação final do processo
·         Escrita do projeto

SETEMBRO
1ª semana
·         Conclusão da escrita do projeto
·         Entrega do TCE à banca avaliadora
2ª semana
·         Apresentação do projeto e entrega do TCE


[1] Cartesianismo é uma forma de racionalismo derivado do pensamento do filósofo René Descartes. Ele sustenta-se no dualismo mente-corpo, em que a essência da mente é pensar e a do corpo ou matéria é existir em três dimensões (WIKIPEDIA). Ao declarar a supremacia da razão/mente sobre a emoção/corpo (“penso, logo existo”), o racionalismo cartesiano disseminou, a partir do século XVII, uma concepção binária de mundo, alocando as coisas em pares binomiais hierarquicamente relacionados.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS



AGAMBEN, G. O Elogio da Profanação, in Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.

 

CARTESIANISMO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2013. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Cartesianismo&oldid=36062827>. Acesso em: 27 jun. 2013.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. 6ª ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

GREINER, C. O Corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.
KATZ, H. A Natureza Cultural do Corpo, in Revista Fronteiras, vol. III, nº 2, 2011, p. 65-75.

MARQUES, I. Metodologia para o Ensino de Dança: Luxo ou Necessidade? in Lições de Dança nº04. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2003.

NAJMANOVICH, D. Para Novas Paisagens Educativas, in O Sujeito Encarnado – Questões para Pesquisa no/do Cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 2001

DELORS, J. Educação: um fenômeno a descobrir. São Paulo, Cortez, 2004

SETENTA, J. S. O Fazer-Dizer do Corpo: dança e performatividade. Salvador: EDUFBA, 2008.

SILVEIRA, P. V. Diálogos de um Ser a Dois: uma perspectiva para dançar tango. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Dança).  UFRGS: Porto Alegre, 2012.

TRIDAPALLI, G. S. Aprender Investigando: a educação em dança é criação compartilhada. Dissertação (Mestrado em Dança). UFBA, Salvador, 2008.

WELZER-LANG, D. A Construção do Masculino: dominação das mulheres e homofobia, in Revista Estudos Feministas, vol. 9, nº 2, 2001. Disponível em <  http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2001000200008 > Acesso em 26/02/2013.

Contundente e significativo

Contundente. Adjetivo. 1. Que contunde. 2. Incisivo, decisivo. 3. Marcante. 
Significativo. Adjetivo. 1. Que significa. 2. Que expressa com clareza. 3. Que contém revelação interessante.

Como escolher uma dentre as tantas “contundências e significâncias” desse nosso percurso em ECA II? Um percurso marcante, pleno de revelações interessantes, feito de aulas geradoras de dúvidas, aulas que me convidavam a um silêncio reflexivo (logo eu, quem diria, que costumo falar pelos cotovelos), tempo necessário para digerir e metabolizar certezas de uma vida inteira.

Entretanto, neste momento, escolher é inevitável! Assim sendo, depois de revisar o que anotei em meu caderno (onde 95% das anotações foram de ECA II), elegi o exercício de compor definições a partir de determinados itens de caracterização. Diria que ele foi contundente principalmente porque o praticamos durante um bom tempo do curso. E de muitas maneiras: em casa e em sala de aula, individualmente e em grupo, da caracterização para a definição e vice-versa. E o vai-e-vem desse exercício de compor decompondo e decompor compondo foi significativo por possibilitar uma forma de pensar as coisas que nos habilite na elaboração de um dicionário.

E como tudo na vida tem seus efeitos adversos, o gosto pela prática de compor-decompor-recompor tornou a tarefa de escolher as palavras tanto mais árdua quanto estimulante. E tais efeitos tem se manifestado tanto em outras atividades acadêmicas como em outros campos da minha vida, especialmente nas minhas atuais atividades enquanto farmacêutica hospitalar. Já não basta da-se conta das coisas. Tornou-se necessário tomar conta daquilo que me dei conta.

E agora, a difícil tarefa de avaliar... Quer dizer, não exatamente de avaliar, mas de traduzir em números. Por todo o exposto acima, não tenho dúvidas de que tenho saído do lugar. Mas quantificar tal deslocamento já me parece uma tarefa insólita e sem sentido (e pensar que em outras épocas eu já fui tão quantitativa, fazia questão de cada decimal!). Em ECA II tive a oportunidade de me alimentar com modos de pensar que tem me impulsionado para novos lugares de desassossego. Constantemente revisito meus contextos, meus conceitos, meu vocabulário, minhas ideias, minha maneira de olhar para as coisas do mundo, de olhar para como eu vejo as coisas do mundo.


Considero, então, que vivi de forma plena e satisfatória um processo acadêmico precioso, incompatível com qualquer dimensão numérica. Entretanto, considerando que é a dimensão numérica quem determina a possibilidade de conseguir matrícula nas disputadas disciplinas de Libras e Educação, me darei nota 9,5.


Autoavaliação do componente curricular Estudos Críticos Analíticos II sob orientação de Fabiana Britto

Saindo do lugar

O que me fez sair do lugar? Terei eu saído do lugar? E se saí, para onde fui? O que me fez escolher uma direção e não outra? Terei chegado a um lugar confortável para descansar? Haverá ainda algum lugar para descansar? Conseguirei eu descansar neste lugar? Uma coisa é certa: para onde quer que eu vá pontos de interrogação me acompanham. Acho que me tornei irrequieta e desconfiada.

E, justamente porque duvido, questiono, testo, desafio. No meu TCE me proponho a questionar padrões estabilizados na dança de salão, buscando possíveis brechas por onde remobilizar seus fazeres e dizeres. Entretanto, hoje me dei conta de que meu maior desafio talvez seja alcançar meus objetivos sem afrontar o outro! E me calo quando me dou conta de que posso ter cometido atrocidades na realização dos meus “objetivos revolucionários”. E me calo para refletir minhas ações.

E o silêncio nascido do meu estarrecimento me desloca para novos lugares de desassossego. Revejo meus contextos, meus conceitos, meu vocabulário, minhas ideias, minha maneira de olhar para as coisas do mundo, de olhar para como eu vejo as coisas do mundo. E as coisas do mundo vão sendo tecidas numa rede de nexos.


E, enfim, o semestre chega ao fim! Porém, creio que me tornei irremediavelmente irrequieta e desconfiada. O exercício de análise crítica se espalhou por outras atividades. Pontos de interrogação não param de brotar na escrita do meu TCE e até mesmo no meu ambiente de trabalho, onde certezas reprodutíveis são cultivadas com esmero.


Autoavaliação do componente curricular Estudos Críticos Analíticos I (2013.1) sob orientação de Fabiana Britto

6 de abril de 2013

William Forsythe - Solo


william forsythe - dancer Thomas McManus


Era uma vez ... Brasil, Balé e Contemporaneidade




[...] segundo Forsythe, o vocabulário clássico jamais será velho. É a sua escritura que pode ficar datada. [...] a desestruturação da linguagem clássica permite obter possibilidades inauditas ocultadas pela abordagem tradicional do balé. (PONZIO, 2003 apud FERREIRA, 2008).

Em 1950 foi lançada a primeira edição do livro História da Dança e do Ballet[1], do bem afamado musicólogo, crítico, jornalista e compositor espanhol Adolfo Salazar. Tendo falecido apenas oito anos depois, não houve tempo para atualizações. Entretanto, na edição de 1962, Thomas Ribas, responsável pela tradução para o português bem como de notas e do conteúdo relativa a Portugal, acrescentou um capítulo sobre Ballet Contemporâneo com a finalidade de atualizar a obra de Salazar como julgou que o autor teria feito. O referido capítulo se propôs a traçar um panorama geral e mundial do balé contemporâneo. Entretanto, tal “panorama geral e mundial” se reduziu artisticamente ao balé e geograficamente a alguns países da Europa e aos Estados Unidos, construindo, nas suas invisibilidades, um mundo sem Brasil, um Brasil sem balé e um balé que parece recusar a contemporaneidade.

Tal constatação levou-me a querer investigar melhor sobre a maneira como tem sido contada a história da dança no Brasil. Para isso, tomei como base o artigo “Para desequilibrar o balé: uma análise da constituição estética do balé” [2], de Rousejanny da Silva Ferreira[3], onde foram analisadas as produções brasileiras que mais frequentemente aparecem como referências bibliográficas quando se trata da história da dança.

Segundo a autora, a primeira produção nacional a tratar da história da dança foi o livro “A Dança e a Escola de Ballet” de Pierre Michailowsky (1956), considerado como pioneiro no Brasil do estudo teórico e técnico do balé pela sua contribuição sistematizada deste estudo. Nele a dança é explicada sob o ponto de vista da evolução natural até sua transformação em “arte” (leia-se balé).

Na década de 1980 a literatura brasileira referente à história da dança volta a ter impulso com o lançamento dos livros “Balé: Uma Arte” de Dalal Achcar (1980); “Pequena História da Dança” de Antônio de José Faro (1986) e “História da Dança” de Maribel Portinari (1989). Na final da década de 1990, é lançado “História da Dança: Evolução Cultural”, de Eliana Caminada (1999).

Para Ferreira (2008), todas as obras citadas contam a história da dança pelo viés do eurocentrismo, privilegiando a história do balé na Europa em detrimento de outras danças e contextos, legitimando assim apenas uma parte da história do balé, já que há poucas referências deste no século XX, principalmente após a década de 1920. Além disso, abordam uma parte menor ainda da história da dança moderna e contemporânea.

Em 2003 é lançado o livro “A Formação do Balé Brasileiro” de Roberto Pereira (2003), que problematiza o processo de formação do bailado nacional desde a vinda de companhias de balé da Europa e a conseqüente construção da Escola de Bailados no Brasil na cidade do Rio de Janeiro, marcando assim o inicio de novas reflexões sobre a história da dança.

Conceitos românticos delineavam a concepção da qual partiam as investidas no sentido de construir um balé que pudesse representar o que era considerado como legitimamente brasileiro. Uma concepção importada, de certo, mas que ansiava por ser traduzida num novo país, uma nova cultura. (PEREIRA, 2003 apud FERREIRA, 2008)

Contudo, para refletir sobre como a historiografia brasileira sobre dança tem dialogado com a produção artística das manifestações consideradas como balé faz-se necessário entender de que balé se está falando. Ferreira (2008) chama atenção para a compreensão de balé predominante nas obras analisadas:

[...] para a maioria dos autores analisados o termo “balé” se refere ao sistema de dança formalizado a partir do reinado de Luís XIV na França, com a criação da Escola Oficial em 1672 (Escola Acadêmica Tradicional), onde surgem os balés de repertório, ligados ao lirismo romântico e denominado pela maioria dos autores como Balé Clássico. (FERREIRA, 2008)

Para Ferreira (2008), “a tradição, a composição do ideal clássico, aliado a uma fórmula de balé romântico que vinha agradando platéia e coreógrafos por longos anos, atravessou séculos e formulou um modelo de balé eleito como favorito e oficial”.

Apesar da confirmação constante na crença deste modelo de balé como eleito e destacado por esta historiografia, geralmente nestes livros, enquanto movimento artístico, o balé aparece com poucas conexões entre arte e sociedade, como se não fizesse parte de uma rede de interesses políticos, movimentos artísticos, conflitos e reflexões que transformaram inclusive, sua própria estética. Esse deslocamento formulou a crença de um balé à parte do mundo, enquadrando a história da dança a movimentos estanques que surgem e acabam se sobrepondo uns aos outros como a seguinte linha histórica: balé – dança moderna – dança contemporânea. (FERREIRA, 2008)

 Consequentemente, os balés modernos e contemporâneos não recebem a mesma atenção e importância devida, o que:

[...] influencia no (re)conhecimento desta produção dentro do universo do balé, realçando uma situação de preferência, em que os autores sequer problematizam como determinados balés se tornaram clássicos e quais critérios são usados, já que as obras do século XX, também pertencem a uma estética do balé mas que bebem em outras fontes, dentro de um universo mais amplo da dança. (FERREIRA, 2008)

Com intuito de identificar que outras formas de balé foram e ainda são construídos, e enfatizar seu lugar no panorama da dança, a autora contra-argumenta em seu artigo a maior parte da historiografia brasileira ao abrir espaço para outras formas de balé, situando na medida do possível, seus desdobramentos e cruzamentos artísticos, que foram negligenciados por estes livros, mas valorizados por literaturas de outras linguagens da arte.

Ambos os textos analisados apresentam os Ballets Russes de Serge Diaghilev como marco de surgimento do ballet contemporâneo. Entretanto, Thomas Ribas conta a história do ballet contemporâneo quase somente como um emaranhado de nomes e datas, mais interessado em demonstrar a sobrevivência do ballet acadêmico à “anarquia estética” dos tempos moderno e contemporâneo:

[...] a semente destes grandes mestres russos foi de fundamental importância para que “os grandes padrões de ballet acadêmico-clássico, romântico e imperial tivessem em nossos dias um verdadeiro renascimento. (SALAZAR, 1962)

Já Ferreira (2008) busca fazer uma análise dos Ballets Russes enquanto movimento de vanguarda artística européia, onde os coreógrafos do balé se aproximam dos intelectuais europeus e de todo o movimento modernista das artes que vinha ocorrendo na época, contribuindo para uma renovação estética do balé.

[...] a morte dos Cisnes, de Michel Fokine, que representa a morte do balé lírico-romântico, pois,acreditava que uma nova maneira de se construir balés só era possível com a “morte” deste antigo modelo. Já Vaslav Nijinski, bailarino e coreógrafo, rompeu com a estabilidade da dança, atiçando a platéia com seus trabalhos sensuais e provocativos como “L’ aprés-midi d’ um faune, Jeux e Sacre du Printemps”.( FERREIRA, 2008)

Para a autora, os trabalhos realizados nos Ballets Russes desencadearam uma série de movimentos paralelos e também posteriores, como por exemplo, o balé participando dos trabalhos performáticos, inclusive na Escola de Bauhaus, e nas performances e vídeos criados pelos Ballets Suecos a partir de 1920, abrindo caminhos para novas possibilidades de se pensar o balé do início do século XX ao tempo recente.

A partir daí vários coreógrafos lançaram novas discussões estéticas sobre o balé, a exemplo de Kurt Jooss (Alemanha) que lançou os balés sócio-críticos, no qual postulava que a linguagem do balé era tão expressiva quanto à palavra; os balés abstratos de George Balanchine (Estados Unidos), baseados num esquema coreográfico sem enredo ou cenário, onde o que mais importava era o movimento em si, e Maurice Bejárt (Bélgica), que abordou a angústia de sua época e a busca por um significado da humanidade.

O mais recente, e ainda em atividade, William Forsythe (Alemanha) embaralha a técnica do balé acadêmico, partindo de sua desconstrução, colocando o bailarino sempre em estado de alerta. Para Ferreira (2008), essas estruturas desenvolvidas por Forsythe e pelos coreógrafos anteriores a ele facilitaram “os cruzamentos do balé acadêmico no cenário da dança contemporânea, trazendo novos significados para o balé, como a possibilidade de flexibilizar a tradição e de incorporar as inovações do pensamento da dança do tempo recente”.

Atualmente não são poucas as companhias de balé que cruzam várias referências da dança, ‘desequilibrando’ a técnica acadêmica tradicional ao buscarem novas maneiras de utilizar este corpo híbrido da dança de hoje. A autora cita como representantes dessa experiência no Brasil o De Anima Ballet Contemporâneo no Rio de Janeiro, que tem como referência principal a pesquisa de William Forsythe, o Ballet Stagium em São Paulo, que engloba no seu balé características nacionalistas, utilizando música popular brasileira nas suas composições; e o Grupo Corpo, em Minas Gerais, que trabalha com a dança moderna, mas com base no balé acadêmico. Aqui em Salvador podemos citar o Balé do Teatro Castro Alves, companhia de dança oficial do Estado da Bahia, que desde a sua criação em 1981 assumiu o perfil de dança contemporânea.

Em suas considerações finais, Ferreira (2008) alerta para as conseqüências da maneira simplista com que a historiografia brasileira tem relatado essa mobilidade e descentralização da produção balética, resultando quase sempre em uma construção histórica acrítica e desatenta para com as transformações estéticas da própria arte, “não permitindo assim que o balé seja visto com outras roupagens, construindo clássicos após o período romântico, ou fora da Escola Tradicional”.

Apesar disso, ela afirma que tais mobilidades existem e são legitimadas por algumas companhias que acreditam que o balé também pode ter várias faces, desde a tradicional até a multiplicidade de cruzamentos feitos por coreógrafos da contemporaneidade:

[...] o interessante de todos esses movimentos e olhares diferentes para sua estética, é a manutenção e a vivacidade de uma linguagem que não se estagnou e morreu com a decadência de uma Escola Tradicional, e que pode ser reinventada a cada dia (FERREIRA, 2008)

Enfim, o balé não precisa ser visto como um movimento estanque que vive de seu passado europeu glorioso. Ele permite incorporar as mais variadas técnicas, debates e críticas sobre seu processo e sua construção estética. Para isso, faz-se necessário promover sérios debates sobre a historiografia que tem sido construída ao longo do tempo, debruçando-se sobre ela com um olhar menos conservador e mais reflexivo.


[1] SALAZAR, A. História da Dança e do Ballet. Tradução, notas e parte relativa a Portugal por Thomaz Ribas. Lisboa: Realizações Artis, 1962.
[2] FERREIRA, R. S. Para Desequilibrar o Balé: uma análise da constituição estética do balé. Revista Digital Art&. Ano VI. Número 10. Novembro de 2008. Disponível em < http://www.revista.art.br/site-numero-10/trabalhos/21.htm > ISSN 1806-2962.  Acesso em 06/03/2013.
[3] Pesquisadora em dança, professora e bailarina, especialista em Filosofia da Arte pelo Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás (IFITEG).


Artigo sobre o tema BALÉ CONTEMPORÂNEO apresentado como avaliação do módulo Estudos do Corpo II, sob orientação das professoras Cida Linhares, Gilsamara Moura e Márcia Santiago, em 2012-2.