10 de junho de 2009

Experimento "Discursos habitam Corpos"

A PROPOSIÇÃO
A concepção binária e naturalizada da humanidade é uma disposição do mundo moderno. Ser sexuado é estar submetido a um conjunto de regulações sociais situado como principio formador do sexo, gênero e desejo. As danças de salão são configurações binárias em suas coreografias e discursos. Tradicionalmente executadas por duas pessoas do sexo oposto, onde pertence ao homem o poder de decidir sobre a seqüência de movimentos, sua forma rítmica, direção e velocidade de deslocamento. A mulher deve estar apta a compreender as solicitações do seu parceiro, desenvolvendo os movimentos correspondentes.
O formalismo glamoroso das regras de etiquetas tem preservado a erotização da dominação masculina e as hierarquias de gênero nas danças de salão. Romper e construir novos significados para os gêneros, deslocar a sexualidade da matriz heterossexual é estar em risco.Para a Teoria Queer, o socialmente real é criado por atos de repetição dos sujeitos, concebidos como efeito de uma multiplicidade de processos de socialização, onde obtêm a sua condição "masculina" ou "feminina" como produtos histórico-sociais.
A palavra queer designa algo ou alguém desestabilizador da ordem social estabelecida. Esta pesquisa propõe investigar as estratégias binárias nas coreografias e discursos das danças de salão que criam e sustentam seu modelo masculinista e heteronormativo de poder, buscando frestas para desestabilizá-lo. A partir dessa reflexão teórica foi proposta uma investigação corporal e coreográfica para a turma 03 da disciplina Laboratório de Corpo e Criação Coreográfica I do curso de Lincenciatura em Dança da UFBA, da qual sou aluna em regime especial que, sob orientação dos professores Antrifo Sanches e Fernando Passos, discute o tema corpo, gênero, sexualidade e performance.
O EXPERIMENTO
1. Alongamento livre (10’)
2. Distribuição dos discursos aos participantes, solicitando sigilo absoluto sobre o conteúdo dos mesmos (5’);
3. Exibição de vídeo sem áudio editado com trechos de coreografias de forró, tango, mambo, lambazouk, bolero e samba de gafieira para observação das estratégias coreográficas utilizadas (15’);
4. Experimentação coreográfica dos discursos: iniciar caminhando individualmente pela sala. Ao comando DUPLA formar um par e improvisar uma dança a dois, considerando o discurso recebido. Ao comando SOLO voltar a caminhar individualmente pela sala. Promover troca de duplas até que todos dancem com todos, se possível (25’);
5. Para cada participante solicitar a opinião do grupo sobre como foi dançar com ele(a) e especular sobre qual seria o seu discurso e as estratégias coreográficas utilizadas por ele(a). Após opinião do grupo o participante revela o discurso recebido e os recursos coreográficos escolhidos para representá-lo (tempo máximo estimado 35’).
6. Leitura dos trechos para reflexão e abertura das discussões em grupo (até 40’).
OS DISCURSOS
Foram selecionados 17 discursos coletados de falas verídicas de praticantes das danças de salão durante festas em Salvador, havendo sofrido pequenas adaptações para melhor compreensão dos mesmos. Das quatorze pessoas presentes, doze dançaram e dois observaram (Fernandinho e Natália Rosa). As imagens editadas estão disponíveis no youtube (ver postagem anterior) Seguem abaixo os discursos na íntegra e seus respectivos intérpretes:
1. Inicialmente me deixo conduzir. Entretanto, fico atento aos momentos propícios para roubar a condução sem aviso prévio, devolvendo-a quando estiver satisfeito e ver como o outro reage a este “imprevisto”. (Alana)
2. Nas danças de salão a condução sempre pertenceu ao homem e é assim que deve continuar sendo. Mulher que se mete a conduzir na dança é porque quer dar uma de homem. (Diego)
3. A mulher no baile é uma espécie de rainha, de diva: joga o cabelo, insinua-se, provoca. O homem pode responder com um atrevido avanço de quadril. A ousadia é a marca do macho; mostrar poder e dominar a cena é a da fêmea.(Simone)
4. Só me deixo conduzir por homens ou por mulheres vestidas de homens. (Mayana)
5. Só conduzo mulheres, pois se tentar conduzir um homem e der errado e a culpa vai ser minha. (Maria Paula)
6. A idéia de ser conduzido o tempo todo por alguém de forma silenciosa, sem ter direito de propor também o que eu tenho vontade me oprime. Me sinto usado. (Joélia)
7. Exijo que pessoa que estiver dançando comigo esteja atento às minhas vontades. Caso contrário encontro uma maneira discreta de sabotar a dança para que meu par se sinta culpado pelo erro que eu provoquei. (Ana Flávia)
8. Nas danças de salão o homem, por mais gay que ele seja, não deve ficar inventando muita coisa: nada de rebolar muito, desmunhecar, jogar cabelo...Seu papel é se manter firme para que a mulher não se desoriente. (Victor)
9. Tem movimentos que são exclusivamente femininos. Quando um homem tenta fazê-los fica meio gay, parece que quer competir com a mulher para ver quem aparece mais. (Joline)
10. Na dança de salão, o homem tem uma série de obrigações, como cuidar da mulher, planejar o rumo, variar os passos, segurar com firmeza e orientar delicadamente o corpo de uma mulher. A mulher fica mais livre para desfrutar o baile, basta escolher um bom parceiro que a faça brilhar. (Antrifo)
11. Mesmo sendo homossexual não sinto falta de dançar alguém do mesmo sexo que eu, pois gosto é da junção de dois corpos diferentes para uma proposição. (André)
12. Nas danças de salão existe um dialogo aonde um conduz e o outro permite essa condução, contando que seja definido antes quem vai conduzir quem. (João Miguel)
OBSERVAÇÕES
Este experimento estava previsto para acontecer no dia 18/05. Mas, devido às fortes chuvas que assolaram a cidade, aconteceu no dia 25/05, após do de Joline. Dessa forma, achei não haver necessidade de novo alongamento e iniciei com a distribuição dos discursos. Embora solicitado silêncio durante a exibição do vídeo, a concentração foi quebrada algumas vezes pelo grupo, provavelmente devido a agitação do laboratório anterior.
Durante a experimentação coreográfica em duplas pode observar a utilização de alguns movimentos exibidos no vídeo. Atribuo o estado de agitação dos participantes-dançantes à agitação do experimento anterior, pois na maior parte do tempo pareciam estabelecer uma relação de conflito ao invés de parceria. Devido à preocupação com o tempo, não foi possível todos dançarem com todos.
Na etapa seguinte formou-se uma roda, e elegi um integrante, perguntando ao grupo como foi dançar essa pessoa, se era possível deduzir qual o discurso que havia recebido. Após as opiniões do grupo, o participante em questão lia em voz alta o discurso recebido. Um a um os participantes-dançarinos foram avaliados pelo grupo e revelando seus discursos. Ainda em rodoa li os trechos que selecionei da minha pesquisa bibliográfica e lancei a pergunta “Quais brechas poderiam ser utilizadas para desestabilizar a hierarquia de poder no contexto das danças de salão?
Avalio o experimento como satisfatório, apesar de resultados inesperados como a aparente rivalidade entre as duplas. Observei ainda que algumas pessoas não conseguiram agir de acordo com o discurso recebido, supondo eu que tenha sido devido as diferenças entre o discurso recebido e o seu próprio. A relação discurso verbal e coreográfico não foi investigada de forma satisfatória tanto pela escassez de tempo como pelo direcionamento dado por mim. A leitura dos trechos poderia ter sido suprimida, visto que não devem ter feito muito sentido para mais ninguém do grupo além de mim mesma.
Conheça os outros experimentos da minha turma no blog http://grandeslabs2009.blogspot.com/

8 de junho de 2009

Discursos Habitam Corpos

Experimento proposto por Evie Souto para a turma 03 do Laboratório de Corpo e Criação Coregráfica I, coordenado pelos professores Antrifo Sanches e Fernando Passos. Salvador, 25 de maio de 2009, Escola de Dança da UFBA.