5 de outubro de 2008

Corpo e Dança: Uma Reflexão Histórica

Considerado a mais antiga das artes, a dança é também a única que dispensa materiais e ferramentas. Ela só depende do corpo e da vitalidade humana. Os conceitos de CORPO e DANÇA evoluíram ao longo da história. Aqui pretendo trazer um breve recorte deste processo histórico e suas implicações no ensino da dança.
A dança clássica impôs um modelo de “corpo ideal para a dança”, que tal como um “instrumento” necessita ser moldado de acordo com padrões técnicos de cada estilo de dança. O bailarino, concebido como “material humano” e desprovido de um “corpo vivido”, deve se submeter corporal, emocional e mentalmente àquilo que está sendo requerido dele externamente. Conseqüentemente, o processo educacional atrelado a esta concepção objetiva “aprimorar, controlar, vencer o corpo e seus limites físicos. Não há preocupação com o processo criativo individual, muito menos em traçar relações entre corpo, dança e sociedade. O produto é o objetivo último da educação em dança, valorizando o ensino das técnicas”.
A dança moderna surgiu no começo do século XX, propondo um corpo “como parte da natureza” sendo a dança, portanto, “a expressão natural e espontânea do ser humano”, enfatisando os sentimentos, tentando teatralizá-los ao máximo através de movimentos corporais. A americana Isadora Duncan foi um dos ícones da época, além do suíço Emile Dalcroze e do húngaro Rudolf Von Laban. Duncan propôs uma dança livre de espartilhos, meias e sapatilhas de ponta, além de utilizar músicas consideradas “não apropriadas para dança”, como peças de Chopin e Wagner, que na época eram executadas apenas para serem ouvidas. Os bailarinos dançam descalços, trabalham contrações, torções, desencaixe, etc. Os movimentos são mais livres, embora respeitem uma técnica fechada (a primeira técnica de dança moderna foi estruturada por Martha Graham nas décadas 20-30). Os desdobramentos educacionais da chamada “dança criativa” ou “expressão corporal” baseavam-se na crença de que o artista não deveria ser “invadido”, mas sim incetivado a se revelar naturalmente. Neste momento o processo torna-se mais importante que o produto.
A dança contemporânea surgiu na década de 60-70 com a substituição do “corpo natural” pelo conceito de “corpo pensante”. Não se define em técnicas ou movimentos específicos, pois o intérprete/bailarino ganha autonomia para construir suas próprias partituras coreográficas a partir de temas relacionados a questões políticas, sociais, culturais, autobiográficas, comportamentais ou cotidianas. Bailarinos norte-americanos como Yvonne Rainer e Steve Paxton buscavam movimentos ‘independentes de seu apelo visual e da técnica requerida para executá-los”, inaugurando a época da “democracia corporal”: não havia restrições de forma, peso, tamanho, flexibilidade, etc, para poder dançar. Essa geração “buscou na diversidade o direito de exercer autoridade sobre si mesma, refutando padrões convencionais impostos de corpo, arte e sociedade”. O ensino da dança priorizou o desenvolvimento da consciência corporal a partir de técnicas somáticas, (Alexander, Feldenkrais, Eutonia, Klauss Vianna) e da improvisação por contato (uma forma de dança que utiliza as leis físicas de atrito, dinâmica, gravidade e inércia para explorar a relação entre os bailarinos). Além disso, viu-se a necessidade da pesquisa teórica para complementação da prática.
Atualmente propõe-se o conceito de “corpo socialmente construído”, ou seja, o corpo como expressão de gênero, etnia, faixa etária, crença espiritual, classe social, etc. Pina Bausch, coreógrafa e dançarina alemã. Sua frase “não estou preocupada em como as pessoas se movem mas sim com o que move as pessoas” é um bom exemplo desta concepção. Suas coreografias são baseadas nas experiências de vida dos bailarinos e elaboradas conjuntamente. Várias de suas coreografias são relacionadas a cidades de todo o mundo, de onde retira idéias necessárias para seu trabalho durante as turnês. Este conceito tem levado a elaboração de propostas educacionais críticas em dança que “considerem tanto o processo como o produto, que não desconsiderem as técnicas, mas que ao mesmo tempo não abandonem o processo criativo e que, enfim, trabalhem a expressão pessoal como expressão de um corpo sócio-político-cultural”.
Citações retiradas do texto "Corpo, Dança e Educação" de Isabel Marques, pedagoga, mestre em dança e doutora em educação.

24 de setembro de 2008

Bicentenário da Dança de Salão no Brasil

“Os passos que compõem cada tipo de dança são, eles mesmos, um registro da sua história, o que significa dizer que também pertencem a um fluxo de transformações. Não sendo, portanto, passos puros, é a história de seus processos de hibridação que aparece quando o corpo dança.” (Vagner Rodrigues).
Este ano a dança de salão comemora 200 anos de sua chegada ao Brasil juntamente com outros hábitos sociais da Côrte Portuguesa. A seguir apresento um breve resumo do seu processo de evolução.
O nome DANÇA DE SALÃO consagrou-se na cultura brasileira para designar a configuração de dança executada por casais “abraçados” com fins de entretenimento social. O termo é a tradução de "Ballroom Dance", que embora designe também as danças com fins recreativos, hoje é praticamente sinônimo das danças de competição. Eu considero quatro características para definir DANÇA DE SALÃO: a execução a dois, o abraço, o deslocamento espacial (trânsito) e a comunicação entre o par codificada e transmitida através do sentido tátil-cinestésico (pressão e movimento), permitindo que a montagem dos movimentos em seqüências aconteça sem a necessidade de combinação prévia.
Originária nos bailes das cortes reais européias, as “danças da côrte” faziam parte da educação da nobreza e ganharam evidenciam na côrte do Rei Luiz XIV na França. O MINUETO é considerado a primeira dança de salão, apesar do abraço entre o par ter surgido somente três séculos depois, em Paris, com a VALSA. Supõe-se que o abraço lateral venha do fato que na época os soldados carregavam a espada no lado esquerdo. A postura adotada era clássica, corpo ereto e com o torso fixo como no ballet.
A cidade do Rio de Janeiro é considerada berço da dança de salão no Brasil. Foi ali que sua prática se popularizou rapidamente, tendo muitas de suas “regras de etiqueta” transgredidas. Por volta de 1837 começou-se a dançar valsa e já em 1870, influenciado pelo lundu e outras manifestações populares, surgia o MAXIXE, considerada a primeira dança de salão genuinamente brasileira. Por seu erotismo explícito nos corpos colados, pernas entrelaçadas e movimentos circulares de quadril ficou historicamente conhecida como “a dança excomungada”. Rejeitada pela elite social da época, desapareceu na sua forma original, mas marcou para sempre a forma brasileira de dançar a dois.
O advento do Rock nas décadas de 50-60 trouxe importantes mudanças no comportamento da sociedade brasileira. As danças de salão assistiu a “abertura” e “ruptura” de um dos seus principais símbolos: o abraço. Este fato possibilitou novas movimentações a dois, como giros com troca de posição e enrosques de braços, criando a necessidade de novos códigos de comunicação entre o par.
É através do contato com outras danças que surgem diversas formas de se dançar abraçado , às quais chamamos RITMOS, que muitas vezes recebe o nome do gênero musical a elas relacionado (tango, bolero, forró). O samba de gafieira, o sambarock, o forró e o lambazouk são exemplos de danças de salão brasileiras.

23 de setembro de 2008

Zouk, Lambada ou Lambazouk?

A cada dia cresce o número de praticantes de uma forma brasileira de dançar a dois sensual, suave, fluida, cheia de giros e abraços que acontece ao som de diversas sonoridades a qual chamamos ZOUK. Os espectadores maiores de 30 anos o identificam instantaneamente como uma lambada modificada. Muitos, entretanto, disseminam a idéia de que o zouk é uma dança de origem caribenha ou ainda africana. As informações que apresento neste texto foram extraídas do anteprojeto proposto por mim ao mestrado da Escola de Dança UFBA em 2007. Foram utilizadas como fontes textos publicados na internet e depoimentos de pessoas que vivenciaram a evolução da lambada.
A maioria dos relatos refere que durante a década de 80, na região norte do Brasil, as emissoras de rádios captavam músicas caribenhas. O encontro com as músicas nortistas produziram diversas sonoridades, dentre elas os "ritmos de batida forte", posteriormente denominado LAMBADA. Como forma de dançar tudo indica que a lambada tem suas raízes no CARIMBÓ, manifestação popular região norte desde os tempos coloniais, ondes os casais dançam de frente um para o outro (sem abraço!), com movimentos onde a mulher tenta encobrir o homem com a saia e muitos giros.
Ao chegar à região nordeste, recebeu influências do forró e nas areias das praias de Porto Seguro (BA) conquistou nativos e veranistas brasileiros e estrangeiros. A lambada dessa época usava as pernas bem dobradas e era marcada lateralmente com dois movimentos para cada lado. Em 1987 tornou-se um fenômeno mundial depois que dois empresários franceses vieram ao Brasil e compraram os direitos autorais de mais de 300 músicas brasileiras. Montaram o KAOMA com músicos de qualidade e uma senhora estrutura de Marketing.
Fazendo uma analogia ao ditado popular, "quanto mais rápido se sobe mais veloz é a queda". Em 1992 a produção musical da lambada entrou em extinção, com direito até a um enterro simbólico no centro do Rio de Janeiro pelos DJs da época. Entretanto, os lambadeiros desafiaram estas previsões “fúnebres” e se disposeram a experimentar outras sonoridades para continuar dançando. Esta atitude ficou imortalizada na frase de Tio Piu, ex-diretor-artístico da Ilha dos Pescadores, famoso reduto lambadeiro carioca: "Enquanto o lambadeiro viver a lambada jamais morrerá”. Embora outros sons continuassem a ser experimentados, foi o "zouk", já conhecido dos brasileiros como "lambada francesa" o estilo musical eleito para substituir musicalmente a lambada.
ZOUK, que significa “festa” no dialeto creole, é um movimento musical nascido nas ilhas caribenhas de colonização francesa. Lá, assim como na europa e na africa, o zouk é dançado de maneira completamente diferente da nossa: colado, sem giros, muito parecido com o merengue, segundo depoimento de quem andou por essas bandas. No Brasil o zouk chegou apenas como música através das rádios. Não há indícios da influência do zouk-dança do caribe na forma brasileira de dançar zouk.
Desde então nossa velha e querida lambada não parou de se reinventar. Conservou sua forma rítmica (três movimentos executados a cada dois tempos do compasso) mas adquiriu verticalidade no seu deslocamento, fluidez e suavidade, privilegiando o contato com o parceiro. Uma nova geração de dançarinos não-lambadeiros tem trazido em seus corpos influências do hiphop dentre outras, abrindo possibilidades para novas mutações.
A atual geração de lambazoukeiros brasileiros parece ter herdado a disposição em continuar experimentando e misturando sonoridades. Com o advento da tecnologia eletro-acústica, a batida do zouk tem sido inserida nas mais diversas sonoridades por uma geração de DJs-dançarinos, gerando as mais inusitadas misturas. Para essa tribo, zouk designa uma diversidade musical que parece ter em comum apenas a capacidade de desencadear a vontade de dançar.
Diante dessas informações, como denominar essa forma brasileira de dançar a dois: lambada, zouk ou lambazouk? Encontrei nas palavras de Willian Shakespeare o meu melhor argumento: “Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob outra designação não teria igual perfume?” Portanto, mais do que a defesa de um nome, devemos valorizar o conteúdo desse "produto nacional" da cultura popular brasileira.