12 de novembro de 2010

A Pesquisa Etnográfica na Prática Artística

A etnografia, que significa a escrita sobre o outro, tem sido por excelência o método utilizado pela Antropologia para obtenção de dados. Entretanto, outras comunidades intelectuais, dentre elas os artistas, têm-se apropriado destes métodos em suas investigações, abrindo espaço para uma revisão crítica do mecanismo textual de produção de conhecimento de autoridade sobre o outro.
Em seu artigo “O intercâmbio entre arte e antropologia”, George E. Marcus propõe uma “reinvenção do imaginário da pesquisa de campo antropológica a partir de sua apropriação pelas artes”, onde o distanciamento e a limitação espacial sejam substituídos pela cumplicidade entre observador e observado e pela pesquisa em campos multi-localizados.
Segundo Marcus, tanto a etnografia quanto a pesquisa de campo que a produz estão tradicionalmente imbuídas de “uma função documental e uma representação naturalista”, alimentadas por participações e observações distanciadas dos mundos de outros, tomados meramente como objetos de pesquisa. Para o autor, as práticas artísticas que têm incorporado investigações etnográficas em seus processos de criação podem fornecer inspirações para a antropologia.
Já no campo artístico, as práticas etnográficas têm contribuído para aproximar as buscas intelectuais das diversas realidades do mundo e tem se mostrado um meio poderoso de inserção da crítica social e cultural, onde os locais das pesquisas de campo tornam-se locais de transformação artística e, por conseguinte, de potenciais transformações políticas. Entretanto, o autor alerta para certas situações onde as formas de financiamento de projetos artísticos têm levado a uma interação insuficiente com a comunidade pesquisada, resultando em obras cujo foco passa da investigação cooperativa para uma “autoconfiguração etnográfica, na qual o artista é menos descentrado, enquanto o outro é configurado à maneira artística”.
A pesquisa de campo tem se mostrado uma forma eficiente de coletar informações para investigações artísticas. Entretanto, compartilho com Marcus os resultados de tais investigações deve ser utilizado para transcender a mera representação do outro, ou seja, buscando outros significados para os elementos coletados e transferindo-os para outra situação de trabalho intelectual. Ele traz como exemplo o trabalho do cenógrafo venezuelano Fernando Calzadilla, para quem a maior contribuição da pesquisa de campo está na constituição das “narrativas internas da produção”, conteúdos ignorados pela platéia, mas que se originam das matérias-primas fornecidas pela pesquisa de campo.
Texto sobre a apropriação das pesquisas etnográficas pelas investigações artísticas, tendo com base o artigo “O intercâmbio entre arte e antropologia” de George E. Marcus como segunda avaliação parcial do módulo de Estudos Crítico-Analíticos IV. Orientadores: Fernando Passose e Lúcia Matos.