25 de maio de 2011

PAPAYANOQUIEROSERPAPAYA

Direção geral Cortocinesis: Ângela Bello e Vladimir Ilich Rodríguez

Direção e coreografia: Vladimir Ilich Rodríguez

Dramaturgia: Johan Velandia

Intérpretes: Ângela Bello, Olga Cruz, Luisa Camacho, Edwin Vargas, Yovanny Martinez e Julián Garcés

Diretor técnico e desenho de luz: Humberto Hernández

Assistente geral: Gladis Clavijo

Figurino: Laura Alba

Desenho publicitário: Juan Carlos Chaparro e Felipe Chaparro

PAPAYANOQUIEROSERPAPAYA. Papaya no quiero ser papaya. Ou ainda Papá, ya no quiero ser papaya. Desde o seu título, o espetáculo do grupo colombiano Cortocinesis Danza Contenporánea propõe ao espectador um exercício de reflexão política sobre os estereótipos de ser latino-americano. A ambigüidade do uso coloquial da palavra PAPAYA, que entre os colombianos refere-se tanto à vítima quanto ao agressor, foi escolhida como conceito de identidade que o grupo se propõe a questionar com humor (ácido) para desmistificar os clichês do orgulho nacionalista.

A coreografia começa com uma espécie de introdução ou prólogo, cuja sobriedade utilizada na trilha sonora, no desenho de luz e no figurino dos seis bailarinos (as mulheres usam macacões pretos de comprimentos e modelos variáveis e os homens pantalona preta e camisa de botão cinza). Neste momento, os movimentos e os deslocamentos do grupo podem ser facilmente reconhecidos como “(mais) um espetáculo de dança contemporânea”. Esse talvez seja o primeiro dos muitos clichês que o grupo utiliza como estratégia de ridicularização dos estereótipos.

Logo em seguida, o espectador é surpreendido por uma mudança radical na cena. Bolas de futebol entram e saem do palco, interagindo com os bailarinos. Como na letra da música oficial da Copa do Mundo de 1986, “el mundo unido por um balón”, elas funcionam como elemento de ligação do espetáculo, explorando um dos maiores clichês associados à identidade latinoamericana: o futebol.

Começa então uma divertida paródia, na qual a equipe estrangeira (de camisa branca) representa o discurso do colonizador representado pela prepotência do balé clássico, enquanto que a equipe local (camisa laranja) parece encarnar “o indômito espírito terceiro-mundista”, representando o esforço do colonizado em aprender com o colonizador. Os bailarinos-papayas do time laranja utilizam movimentos onde não se pode reconhecer nenhuma técnica específica (afinal, é consenso que o futebol corre nas veias de nós latino-americanos), enquanto os bailarinos do time “branco” se movem com a “assepsia técnica” do balé clássico.

A partir de então, o grupo se utiliza de outros clichês da realidade urbana da Colômbia, muitos comuns a nós brasileiros, como a violência, o sexo, as drogas e a guerrilha urbana. Com o rosto coberto pela própria camisa, um dos bailarinos ameaça umas das bailarinas com movimentos agressivos, enquanto ela o corrompe com sua voz e movimentos suaves em uma possível referência à relação entre corrupção política e narcotráfico.

Em Papayanoquieroserpapaya, o Cortocinesis expõe ao ridículo os fatores alienantes da identidade latinoamericana sem, entretanto, julgá-los. Segundo Lúcia Matos, “de maneira tragicômica, a platéia ri de seus próprios problemas sociais e, ao mesmo tempo é lançada como parte que contém e é contida pela cena . Mas, apesar da forma direta e irônica da obra e da identificação quase imediata com o nosso próprio contexto sócio-político, será que nós brasileiros, já tão acostumados a satirizar nos problemas, conseguimos nos reconhecer como “papayas”, ao mesmo tempo agressor e vitima da própria agressão herdada do nosso processo de colonização? Será mesmo que já não queremos ser papayas?

Texto elaborado para a segunda avaliação do Módulo Estudos Críticos-Analíticos III sob orientação das professoras Daniela Amoroso e Helena Katz em 2011-1