6 de abril de 2013

William Forsythe - Solo


william forsythe - dancer Thomas McManus


Era uma vez ... Brasil, Balé e Contemporaneidade




[...] segundo Forsythe, o vocabulário clássico jamais será velho. É a sua escritura que pode ficar datada. [...] a desestruturação da linguagem clássica permite obter possibilidades inauditas ocultadas pela abordagem tradicional do balé. (PONZIO, 2003 apud FERREIRA, 2008).

Em 1950 foi lançada a primeira edição do livro História da Dança e do Ballet[1], do bem afamado musicólogo, crítico, jornalista e compositor espanhol Adolfo Salazar. Tendo falecido apenas oito anos depois, não houve tempo para atualizações. Entretanto, na edição de 1962, Thomas Ribas, responsável pela tradução para o português bem como de notas e do conteúdo relativa a Portugal, acrescentou um capítulo sobre Ballet Contemporâneo com a finalidade de atualizar a obra de Salazar como julgou que o autor teria feito. O referido capítulo se propôs a traçar um panorama geral e mundial do balé contemporâneo. Entretanto, tal “panorama geral e mundial” se reduziu artisticamente ao balé e geograficamente a alguns países da Europa e aos Estados Unidos, construindo, nas suas invisibilidades, um mundo sem Brasil, um Brasil sem balé e um balé que parece recusar a contemporaneidade.

Tal constatação levou-me a querer investigar melhor sobre a maneira como tem sido contada a história da dança no Brasil. Para isso, tomei como base o artigo “Para desequilibrar o balé: uma análise da constituição estética do balé” [2], de Rousejanny da Silva Ferreira[3], onde foram analisadas as produções brasileiras que mais frequentemente aparecem como referências bibliográficas quando se trata da história da dança.

Segundo a autora, a primeira produção nacional a tratar da história da dança foi o livro “A Dança e a Escola de Ballet” de Pierre Michailowsky (1956), considerado como pioneiro no Brasil do estudo teórico e técnico do balé pela sua contribuição sistematizada deste estudo. Nele a dança é explicada sob o ponto de vista da evolução natural até sua transformação em “arte” (leia-se balé).

Na década de 1980 a literatura brasileira referente à história da dança volta a ter impulso com o lançamento dos livros “Balé: Uma Arte” de Dalal Achcar (1980); “Pequena História da Dança” de Antônio de José Faro (1986) e “História da Dança” de Maribel Portinari (1989). Na final da década de 1990, é lançado “História da Dança: Evolução Cultural”, de Eliana Caminada (1999).

Para Ferreira (2008), todas as obras citadas contam a história da dança pelo viés do eurocentrismo, privilegiando a história do balé na Europa em detrimento de outras danças e contextos, legitimando assim apenas uma parte da história do balé, já que há poucas referências deste no século XX, principalmente após a década de 1920. Além disso, abordam uma parte menor ainda da história da dança moderna e contemporânea.

Em 2003 é lançado o livro “A Formação do Balé Brasileiro” de Roberto Pereira (2003), que problematiza o processo de formação do bailado nacional desde a vinda de companhias de balé da Europa e a conseqüente construção da Escola de Bailados no Brasil na cidade do Rio de Janeiro, marcando assim o inicio de novas reflexões sobre a história da dança.

Conceitos românticos delineavam a concepção da qual partiam as investidas no sentido de construir um balé que pudesse representar o que era considerado como legitimamente brasileiro. Uma concepção importada, de certo, mas que ansiava por ser traduzida num novo país, uma nova cultura. (PEREIRA, 2003 apud FERREIRA, 2008)

Contudo, para refletir sobre como a historiografia brasileira sobre dança tem dialogado com a produção artística das manifestações consideradas como balé faz-se necessário entender de que balé se está falando. Ferreira (2008) chama atenção para a compreensão de balé predominante nas obras analisadas:

[...] para a maioria dos autores analisados o termo “balé” se refere ao sistema de dança formalizado a partir do reinado de Luís XIV na França, com a criação da Escola Oficial em 1672 (Escola Acadêmica Tradicional), onde surgem os balés de repertório, ligados ao lirismo romântico e denominado pela maioria dos autores como Balé Clássico. (FERREIRA, 2008)

Para Ferreira (2008), “a tradição, a composição do ideal clássico, aliado a uma fórmula de balé romântico que vinha agradando platéia e coreógrafos por longos anos, atravessou séculos e formulou um modelo de balé eleito como favorito e oficial”.

Apesar da confirmação constante na crença deste modelo de balé como eleito e destacado por esta historiografia, geralmente nestes livros, enquanto movimento artístico, o balé aparece com poucas conexões entre arte e sociedade, como se não fizesse parte de uma rede de interesses políticos, movimentos artísticos, conflitos e reflexões que transformaram inclusive, sua própria estética. Esse deslocamento formulou a crença de um balé à parte do mundo, enquadrando a história da dança a movimentos estanques que surgem e acabam se sobrepondo uns aos outros como a seguinte linha histórica: balé – dança moderna – dança contemporânea. (FERREIRA, 2008)

 Consequentemente, os balés modernos e contemporâneos não recebem a mesma atenção e importância devida, o que:

[...] influencia no (re)conhecimento desta produção dentro do universo do balé, realçando uma situação de preferência, em que os autores sequer problematizam como determinados balés se tornaram clássicos e quais critérios são usados, já que as obras do século XX, também pertencem a uma estética do balé mas que bebem em outras fontes, dentro de um universo mais amplo da dança. (FERREIRA, 2008)

Com intuito de identificar que outras formas de balé foram e ainda são construídos, e enfatizar seu lugar no panorama da dança, a autora contra-argumenta em seu artigo a maior parte da historiografia brasileira ao abrir espaço para outras formas de balé, situando na medida do possível, seus desdobramentos e cruzamentos artísticos, que foram negligenciados por estes livros, mas valorizados por literaturas de outras linguagens da arte.

Ambos os textos analisados apresentam os Ballets Russes de Serge Diaghilev como marco de surgimento do ballet contemporâneo. Entretanto, Thomas Ribas conta a história do ballet contemporâneo quase somente como um emaranhado de nomes e datas, mais interessado em demonstrar a sobrevivência do ballet acadêmico à “anarquia estética” dos tempos moderno e contemporâneo:

[...] a semente destes grandes mestres russos foi de fundamental importância para que “os grandes padrões de ballet acadêmico-clássico, romântico e imperial tivessem em nossos dias um verdadeiro renascimento. (SALAZAR, 1962)

Já Ferreira (2008) busca fazer uma análise dos Ballets Russes enquanto movimento de vanguarda artística européia, onde os coreógrafos do balé se aproximam dos intelectuais europeus e de todo o movimento modernista das artes que vinha ocorrendo na época, contribuindo para uma renovação estética do balé.

[...] a morte dos Cisnes, de Michel Fokine, que representa a morte do balé lírico-romântico, pois,acreditava que uma nova maneira de se construir balés só era possível com a “morte” deste antigo modelo. Já Vaslav Nijinski, bailarino e coreógrafo, rompeu com a estabilidade da dança, atiçando a platéia com seus trabalhos sensuais e provocativos como “L’ aprés-midi d’ um faune, Jeux e Sacre du Printemps”.( FERREIRA, 2008)

Para a autora, os trabalhos realizados nos Ballets Russes desencadearam uma série de movimentos paralelos e também posteriores, como por exemplo, o balé participando dos trabalhos performáticos, inclusive na Escola de Bauhaus, e nas performances e vídeos criados pelos Ballets Suecos a partir de 1920, abrindo caminhos para novas possibilidades de se pensar o balé do início do século XX ao tempo recente.

A partir daí vários coreógrafos lançaram novas discussões estéticas sobre o balé, a exemplo de Kurt Jooss (Alemanha) que lançou os balés sócio-críticos, no qual postulava que a linguagem do balé era tão expressiva quanto à palavra; os balés abstratos de George Balanchine (Estados Unidos), baseados num esquema coreográfico sem enredo ou cenário, onde o que mais importava era o movimento em si, e Maurice Bejárt (Bélgica), que abordou a angústia de sua época e a busca por um significado da humanidade.

O mais recente, e ainda em atividade, William Forsythe (Alemanha) embaralha a técnica do balé acadêmico, partindo de sua desconstrução, colocando o bailarino sempre em estado de alerta. Para Ferreira (2008), essas estruturas desenvolvidas por Forsythe e pelos coreógrafos anteriores a ele facilitaram “os cruzamentos do balé acadêmico no cenário da dança contemporânea, trazendo novos significados para o balé, como a possibilidade de flexibilizar a tradição e de incorporar as inovações do pensamento da dança do tempo recente”.

Atualmente não são poucas as companhias de balé que cruzam várias referências da dança, ‘desequilibrando’ a técnica acadêmica tradicional ao buscarem novas maneiras de utilizar este corpo híbrido da dança de hoje. A autora cita como representantes dessa experiência no Brasil o De Anima Ballet Contemporâneo no Rio de Janeiro, que tem como referência principal a pesquisa de William Forsythe, o Ballet Stagium em São Paulo, que engloba no seu balé características nacionalistas, utilizando música popular brasileira nas suas composições; e o Grupo Corpo, em Minas Gerais, que trabalha com a dança moderna, mas com base no balé acadêmico. Aqui em Salvador podemos citar o Balé do Teatro Castro Alves, companhia de dança oficial do Estado da Bahia, que desde a sua criação em 1981 assumiu o perfil de dança contemporânea.

Em suas considerações finais, Ferreira (2008) alerta para as conseqüências da maneira simplista com que a historiografia brasileira tem relatado essa mobilidade e descentralização da produção balética, resultando quase sempre em uma construção histórica acrítica e desatenta para com as transformações estéticas da própria arte, “não permitindo assim que o balé seja visto com outras roupagens, construindo clássicos após o período romântico, ou fora da Escola Tradicional”.

Apesar disso, ela afirma que tais mobilidades existem e são legitimadas por algumas companhias que acreditam que o balé também pode ter várias faces, desde a tradicional até a multiplicidade de cruzamentos feitos por coreógrafos da contemporaneidade:

[...] o interessante de todos esses movimentos e olhares diferentes para sua estética, é a manutenção e a vivacidade de uma linguagem que não se estagnou e morreu com a decadência de uma Escola Tradicional, e que pode ser reinventada a cada dia (FERREIRA, 2008)

Enfim, o balé não precisa ser visto como um movimento estanque que vive de seu passado europeu glorioso. Ele permite incorporar as mais variadas técnicas, debates e críticas sobre seu processo e sua construção estética. Para isso, faz-se necessário promover sérios debates sobre a historiografia que tem sido construída ao longo do tempo, debruçando-se sobre ela com um olhar menos conservador e mais reflexivo.


[1] SALAZAR, A. História da Dança e do Ballet. Tradução, notas e parte relativa a Portugal por Thomaz Ribas. Lisboa: Realizações Artis, 1962.
[2] FERREIRA, R. S. Para Desequilibrar o Balé: uma análise da constituição estética do balé. Revista Digital Art&. Ano VI. Número 10. Novembro de 2008. Disponível em < http://www.revista.art.br/site-numero-10/trabalhos/21.htm > ISSN 1806-2962.  Acesso em 06/03/2013.
[3] Pesquisadora em dança, professora e bailarina, especialista em Filosofia da Arte pelo Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás (IFITEG).


Artigo sobre o tema BALÉ CONTEMPORÂNEO apresentado como avaliação do módulo Estudos do Corpo II, sob orientação das professoras Cida Linhares, Gilsamara Moura e Márcia Santiago, em 2012-2.

12 de março de 2013

Resenha crítica do vídeodança SOLO#1



Deslizar de luzes e sombras. Fade in, fade out para preto. Sons ritmados de engrenagens. Fade in, fade out para preto. Staccato/ Paulo Caldas e Alpendre apresentam SOLO #1. A câmera corre por sobre a grelha cênica e, como de dentro de um trem a baixa velocidade, o espectador começa a vislumbrar abaixo de tais trilhos a dançarina, ainda estática, entre as luzes e sombras que se movem por sobre ela. Zoom de aproximação sobre a dançarina que se movimenta e fica outra vez estática. Corte repentino e inesperado para novo ângulo. Estamos agora atrás da dançarina, e a vemos apenas dos ombros para cima. Ela move a cabeça lentamente. Corta. Outra tomada. Agora estamos na sua diagonal frontal à direita. A vemos de corpo inteiro. Ela se move lentamente até o ponto onde congela bruscamente em alguma posição. Corta. Novamente estamos acima, entre a grelha cênica e as varas. Corta, corta. Estamos novamente bem próximos a ela, dessa vez frente a frente. Em determinado momento, ela sai pelo lado esquerdo da tela, mas continua dançando, agora fora do alcance da câmera. De seus movimentos só nos chega os ruídos. Retorna pelo lado direito da tela e a vemos da boca até o umbigo. Dessa forma, câmeras, sombras e luzes editam a coreografia.

 

O videodança SOLO #1 mais uma vez aproxima coreografia e cinematografia enquanto escritas do movimento. Como em outras obras da companhia, utiliza como estratégia alguns “efeitos de cinema”, como cortse e fades, para compor tempo e espaço de modo a desfazer a continuidade usualmente experimentada diante da cena de dança. Aqui a luz enquadra e corta a cena, permitindo-lhe procedimentos de montagem em que os movimentos já não se sucedem segundo qualquer linearidade. O espaço editado exige que o olhar transite por sobre a cena e também para espaços anteriormente fora do quadro, deslocando lateralmente toda a cena.

 

Aos três minutos do vídeo entra o solo de piano, inicialmente monofônico, constituído por quatro e oito tempos de uma única nota. A idéia de ostinato, frase musical persistentemente repetida numa mesma altura, segue no crescimento da seqüência musical, que vai acumulando notas. Em determinado momento a trilha ganha polifonia, com sobreposição de duas, três, quatro melodias. A trilha ganha complexidade assim como a coreografia, apesar do minimalismo de ambas.

 

Movimentos lentos e mudanças bruscas executadas pela dançarina parecem sugerir as funções de aumento e redução de velocidade dos programas de editção de vídeo. O deslocamento lento, à revelia da tensão musical, me remeteu aos movimentos do Tai chi chuan, estilo de arte marcial reconhecido como uma forma de meditação em movimento.

 

A partir do minuto 8’45”, uma seqüência coreográfica é multiplicada no vídeo com imagens capturadas de distintos ângulos, resultando numa profundidade surreal nos moldes das construções impossíveis do holandês Maurits Escher, conduzindo a lugar algum, como em um labirinto. Em seguida, outra seqüência coreográfica é multiplicada no vídeo, novamente com imagens capturadas de distintos ângulos porém agora acrescida de uma pequena defasagem  temporal que resulta numa espécie de cânone tridimensional. A imagem desaparece, mas o ruído de fundo, contínuo e uníssono segue até o final dos créditos, sugerindo uma vez mais a idéia de infinitude presente nas obras de Escher.

 

SOLO #1 faz parte do conjunto de obras da companhia de dança carioca Staccato/ Paulo Caldas, que desde a década de 90 vem desenvolvendo uma freqüente e bem sucedida aproximação com a linguagem cinematográfica. O coreógrafo Paulo Caldas, além de diretor da companhia, é também idealizador e diretor do Dança em Foco - Festival Internacional de Vídeo & Dança (primeiro evento brasileiro dedicado exclusivamente à interface vídeo/ dança) e professor dos cursos de graduação em dança da UniverCidade e da Faculdade Angel Vianna, onde coordena o pioneiro curso de pós-graduação Estéticas do Movimento: Estudos em Dança, Vídeodança e Multimídia.


FICHA TÉCNICA:


Direção: Alexandre Veras e Paulo Caldas
Coreografia: Paulo Caldas
Edição: Alexandre Veras
Bailarina/ Pesquisa de Movimento: Carolina Wiehoff
Câmera: Alexandre Veras e Lucas Rodrigues
Assistente de Câmera: J.Estolano
Maquinista: Rodrigo Dias
Coordenação Técnica: Luciano Faustino
Produção: Staccato / Paulo Caldas
Parceria: Centro Coreográfico do Rio de Janeiro e SESC Rio de Janeiro


Resenha crítica do videodança SOLO#1, de Stacatto/ Paulo Caldas, apresentado como avaliação da disciplina Estudos Monográfico sobre Tópicos em Dança, sob orientação da professora Márcia Mignac, em 2012-2. Disponível em < http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=_UO_uykfnV0>. Último acesso em 05/02/2013

Resumo do artigo “Transposição da Linguagem Coreográfica dos Salões para os Palcos”,



Em “Transposição da Linguagem Coreográfica dos Salões para os Palcos”, artigo apresentado no IV Colóquio Internacional de Etnocenologia da UFMG, Jomar Mesquita chama a atenção para a insipiência das pesquisas artísticas que utilizam as danças de salão como técnica de base para as suas criações coreográficas como conseqüência de alguns equívocos durante tal processo de transposição. Segundo Mesquita, os espetáculos de danças de salão frutos de pesquisas artísticas surgiram somente no final do século XX e, em sua opinião, a maioria dos grupos e companhias ainda não conseguiu se desvencilhar da reprodução do formato de baile, resultando quase sempre em produções cafonas, no estilo de show para turista, enquanto outros grupos perderam seu foco de pesquisa por se deixarem influenciar demasiadamente por outras técnicas de dança. Entretanto, o autor aponta para a emergência de algumas experiências bem sucedidas em preservar a base da linguagem coreográfica dos salões de forma inovadora e contemporânea, através da desconstrução e releitura de suas tradições, como tem feito a Mimulus Cia de Dança de Belo Horizonte. Denominada por alguns críticos como dança de salão contemporânea, a Mimulus Cia de Dança, na qual Mesquita atua como dançarino, coreógrafo e diretor, tem se apresentado e recebido premiações em renomados festivais internacionais de dança contemporânea devido à inovação da linguagem e ao tratamento profissional dado às suas produções. Enfim, Mesquita termina seu artigo lançando reflexões sobre os possíveis efeitos de tais transposições de linguagem coreográfica dos salões para os palcos: destruição de uma cultura popular ou transformação em uma nova e rica vertente da dança contemporânea?

Resumo acadêmico do artigo "Transposição da Linguagem Coreográfica dos Salões para os Palcos” de Jomar Mesquita, apresentado como avaliação da disciplina Estudos Monográfico sobre Tópicos em Dança, sob orientação da professora Márcia Mignac, em 2012-2. Artigo disponível na íntegra em < http://mimulusciadanca.wordpress.com/tag/artigo/