16 de setembro de 2011

ERETO NÃO É RETO! A técnica de balé clássico como prática contemporânea de dança - parte III

1. Equilíbrio: a busca pela estabilidade

Equilíbrio é um fenômeno dinâmico que envolve a combinação de estabilidade e mobilidade consistindo na habilidade de manter o centro de gravidade sobre a base de suporte. O equilíbrio estático é a capacidade para assumir e sustentar qualquer posição do corpo contra a força da gravidade, sendo uma das qualidades psicomotoras mais importantes para o desenvolvimento humano já que é ele que proporciona oportunidade de se estar parado, ainda tendo condições de usar as outras qualidades psicomotoras”. 11

Antes de falar sobre equilíbrio no balé, achei necessário abordar o conceito de centralidade. Robert Cohan chama de centralidade a percepção do centro físico no próprio corpo e a considera o primeiro dos seus oito elementos fundamentais da dança. Para ele, a centralidade dá unidade ao corpo quando em movimento e uma vez que se perceba a movimentação a partir do centro, o controle do mesmo torna-se mais eficaz e é possível se dançar bem. O equilíbrio é outro de seus elementos fundamentais, que ele define como “um estado de atividade constante, que acontece mesmo quando estamos em repouso, resultante de um conjunto de tensões de apoio mútuo entre todas as partes do corpo, internas e externas, dependendo diretamente da posição do corpo durante o repouso ou quando em movimento”. 12

O conceito de centralidade diverge entre alguns estudiosos da dança. Enquanto Cohan reconhece apenas um único centro, localizado “um ou dois centímetros abaixo do umbigo, no meio da pelve, dependendo do tamanho e peso das pernas” 12, William Forsythe questiona a unicidade e imobilidade do centro pélvico, propondo uma noção de centralidade móvel e múltipla. Para Forsythe, um ou mais centros podem ser ativados de forma sucessiva ou mesmo simultânea em qualquer parte do corpo, propiciando o surgimento de “múltiplas cinesferas”. 13 O treinamento do balé clássico parece trabalhar principalmente com a centralidade pélvica como elemento de implicação direta sob os estados de equilíbrio, tanto estático quanto dinâmico, talvez daí a importância dada ao quadril na postura do balé. A ativação deste centro se dá pelo movimento para frente da pélvis sem contração forçada do abdômen e nádegas.

2. Leveza: desafiando a gravidade

Uma interessante característica do balé clássico é a aparente leveza com que os bailarinos executam seus movimentos. Mas por trás dessa habilidade de “quase não tocar o chão” existe um treinamento bastante pesado para tentar “vencer” a gravidade, a força natural de atração que atua sobre todos os corpos (humanos e celestes) existente desde o princípio do universo e descrita por Isaac Newton em 1687. 14 Sentimos a gravidade como uma força que nos “empurra para baixo”, que nos pressiona contra o solo e nos mantém em contato com o mesmo.

Cohan considera a gravidade como uma força inibidora do movimento. “Sua força para baixo é tão grande que é difícil para nós saltar mais alto que um pé no ar. Na verdade, é uma maravilha que nós possamos nos mover sobre duas patas”. 12 O balé parece desafiar as leis da física quando se propõe a “descer subindo” durante a realização dos pliés, que funciona como preparação para saltos e giros. Esse dançar contra a gravidade, pensando em projetar o corpo no espaço, aumentando assim os espaços interarticulares, resulta na leveza aparente dos movimentos do balé.

3. En Dehors: o sonho de extrapolar os 180º

O "En dehors" é talvez um dos principais signos associados ao balé. Seu primeiro registro está num escrito de Cesare Negri de 1530 chamado "Nuova inventioni di balli" em que ele aconselhava usar pernas e joelhos esticados e os pés virados para fora a fim de proporcionar mais estabilidade, pois os bailarinos da época usavam grandes e pesados figurinos. Anatomicamente, en dehors significa “a rotação externa do fêmur na fossa do acetábulo e os músculos responsáveis por esta rotação são o sartório, o ilio-psoas, o glúteo máximo e uma porção do bíceps femoral”. 15 O grau de rotação externa na articulação do quadril é determinado primeiramente pela estrutura óssea, e depois pelas características dos ligamentos articulares, músculos e cápsula articular, e isso pode ser diferenciado nos lados do seu corpo. A cabeça do fêmur tem importante papel dependendo do seu tamanho e do ângulo em relação ao encaixe no quadril, pois ele limita bastante o en dehors. 16

Exercícios para ampliar o “en dehors” devem ser feitos com freqüência e muita cautela, sempre associado com o trabalho de fortalecimento dos músculos rotadores externos. Os limites anatômicos de cada corpo precisam ser respeitados. Portanto, não se deve simplesmente forçar o “en dehors” sob risco de desenvolver sérias lesões. O grau de exigência em relação à amplitude do “en dehors” varia com o método adotado e com a metodologia do professor. Lenira insiste em um ângulo máximo de 90º entre os pés na primeira posição en dehors, mesmo dos alunos mais avançados. O que à primeira vista pode parecer uma regressão técnica tem por objetivo trabalhar a musculatura abdutora das coxas mantendo uma postura saudável e funcional durante a execução dos movimentos.

4. Sete, oito: métrica, ritmo e dança

“O homem para compreender o movimento o organizou. O organizou de duas maneiras: uma abstrata, consciente a que a gente dá o nome de tempo (minutos, horas, dias, semanas, etc.) e outra expressiva, subconsciente, que tem o nome de ritmo. O tempo é a organização abstrata do movimento. O ritmo é a organização expressiva do movimento”. (Mário de Andrade) 17

Para Cohan, o ritmo é inerente ao ser humano, muito embora reconheça que algumas pessoas não estejam “tão conscientes ou sensíveis a ele”. “Um bom senso de ritmo é essencial para a dança. Encontrar o seu sentido de ritmo é uma questão de prestar atenção”. 12 Para isso ele sugere utilizar a música como meio para desenvolver a percepção rítmica.

Apesar de serem conceitos distintos, em dança geralmente usamos a palavra ritmo para nos referir à métrica, que é a ordenação da música em batidas ou pulsos, periódicos e regulares. Ritmo é uma palavra grega que deriva de reo, “fluir”. No seu mais amplo significado, o ritmo se refere à “maneira com que um evento flui no tempo”. Não há nesse termo nenhuma referência necessária a regularidades periódicas ou a relações matemáticas entre intervalos. Todavia, o ritmo se torna mais interessante, para o pensamento grego de origem pitagórica ou platônica, na medida em que se descobre nele uma regularidade e uma proporção que o aproxime dos movimentos perpétuos. 17

Os latinos absorveram a teoria musical grega, mas cometeram um erro de tradução ao interpretarem a palavra ritmos não como um derivado do verbo reo, mas como uma deformação do substantivo arítmos, “número”. A conseqüência foi uma mudança de perspectiva: para os gregos, os valores numéricos eram algo que podia e devia ser extraído do fluir dos eventos, mas não era dado de antemão; para os latinos, ao contrário, são rítmicas apenas aquelas durações que já se apresentam como quantidades regulares, numéricas. Todos os movimentos irregulares ficam com isso fora do campo do conhecimento. Esse fato é de fundamental importância para que possamos compreender a dificuldade existente em relação à compreensão do ritmo, termo geralmente usado muito mais em sua concepção de regularidade (arítmos) que de fluxo (reo). 17

Ao tentarmos compreender o tempo na música, precisaremos distinguir entre dois termos: a métrica enquanto medida “objetiva” e mensurável do tempo cronológico e o ritmo enquanto movimento expressivo no espaço, originando um tempo próprio, comumente denominado “subjetivo”. Nossa percepção de duração está intimamente ligada ao movimento e à mudança. Se o tempo cronológico tem suas relações estruturadas em movimentos invariáveis e determinados, os movimentos expressivos necessitam de tempos variáveis, não apenas na duração como também na intensidade desses diversos tempos. O rigor da métrica musical não inibe de forma alguma a liberdade rítmica, muito pelo contrário: é graças à imposição de uma estrutura regular que a mudança pode ser reconhecida enquanto mudança. 17

Nas aulas de balé clássico a música é utilizada como referencial externo para promover a execução dos movimentos com simetria e regularidade de duração. As trilhas para aulas de balé são compostas especialmente pensando nas seqüências de exercícios. As composições regulares em compasso quaternário (algumas vezes ternário) são geralmente executadas por piano e o andamento varia de acordo com a seqüência de movimentos que serão trabalhados. Tudo isso para promover a execução métrica dos exercícios e desenvolver a percepção rítmica. Porém, em minha opinião, o uso da métrica pode ter efeitos adversos, como a construção de uma relação onde “a dança é a interpretação da música”. Além disso, supeito que o hábito de dançar na métrica seja uma das possíveis causas do nosso tão conhecido e praticado jargão SETE, OITO, usado indiscriminadamente pela grande maioria dos dançarinos como palavra que comanda a iniciação de quase todas as coreografias.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

11. Disponível em <http://br.monografias.com/trabalhos3/concepcoes-bale-recurso-terapeutico-fiosioterapia/concepcoes-bale-recurso-terapeutico-fiosioterapia2.shtml> Acesso em 26/06/2011

12. COHAN, R. “THE ELEMENTS OF DANCE”. In The Dance Workshop. London: Gaia Books, 1986.

13. RENGEL, L. "DICIONARIO LABAN." São Paulo: Annablume, 2003.

14. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Isaac_Newton>. Acesso em 28/06/2011

15. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/En_dehors> Acesso em 26/06/2011

16. Disponível em <http://www.escolabolshoi.com.br/blog/?p=1127> Acesso em 26/06/2011

17. Disponível em <http://www.repom.ufsc.br/REPOM1/alberto.htm> Acesso em 03/07/2011

Terceira parte do trabalho apresentado para avaliação da disciplina Técnica de Ballet Clássico I, sob orientação da professoras Lenira Rengel em 2011-1.

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