15 de setembro de 2011

ERETO NÃO É RETO! A técnica de balé clássico como prática contemporânea de dança - parte II

PRINCÍPIOS DO BALÉ CLÁSSICO

1. Universalidade: uma base para todas as danças

“Equilíbrio, ritmo, força, técnica ...qualquer dança que você execute, fica melhor quando por trás de tudo existe uma boa aula de balé. Até mesmo dança de rua”. (comentário extraído do facebook)

1. Universalidade: uma base para todas as danças

“Equilíbrio, ritmo, força, técnica ...qualquer dança que você execute, fica melhor quando por trás de tudo existe uma boa aula de balé. Até mesmo dança de rua”. (comentário extraído do facebook)

Conceitos delineiam pontos de vista que se pretende formar. A definição de conceitos leva a um sentido e conseqüentemente a um conteúdo. Como e quando determinados conceitos entram em voga e ocupam o lugar de verdades? A dança teve seu primeiro tratado em Milão entre 1435 e 1436. Um deles conceituou o balletto, que passaria a designar um tipo de dança para ser realizada nas cortes renascentistas como entretenimento. Além de ter sido escrito para a nobreza, esse código criava diversas minúcias que só eram acessíveis ao entendimento dos mestres de dança; dificilmente classes menos providas tinham acesso a essa técnica ou espetáculo. Dessa forma, o balé já nasce como uma cultura de elite e pretensões civilizatórias.1

É fato que muitos se debruçaram sobre o estudo do balé clássico, resultando num importante legado teórico-artístico que a maioria das danças não possui. Mas isso não faz do balé a base universal de todas as danças e muito menos uma técnica imprescindível para se dançar bem. Esse pensamento é herança do nosso processo de colonização, que tem como característica básica criar invisibilidades sobre aquilo que existe sempre que este for diferente daquilo que o colonizador faz. O colonizador veio ensinar como conviver civilizadamente em sociedade, veio trazer os bons costumes, a etiqueta de comportamento, o progresso. E nós, que “ascendemos” da condição de selvagens a de colonos, aprendemos a aceitar os valores do colonizador como parâmetro do que é certo, do que é o melhor.

No panorama atual da dança percebo duas principais atitudes em relação ao balé: aquela que continua a aceitá-lo como “base para todas as danças” e inferioriza aqueles que não detém tal conhecimento, e a que o coloca no lugar de técnica aprisionante, que influencia de forma negativa a criação do dançarino. Acredito que parte da responsabilidade deste pensamento de amor ou ódio em relação ao balé clássico seja de seus instrutores, que constroem suas aulas dentro de um pensamento clássico em relação à dança. A disciplina Técnica de Ballet Clássico I com Lenira Rengel é um exemplo de que é possível pensar e fazer o balé clássico como uma prática contemporânea de dança, se constituindo num lugar de reflexão e contestação destas verdades com aspirações universalizantes.

2. Disciplina: a perfeição como meta

A palavra "disciplina" significa instruir, educar treinar, dando ainda a idéia de modelagem. Em educação, é utilizada para indicar a disposição dos alunos em seguir os ensinamentos e as regras de comportamento. 2 Para muitos praticantes e docentes de balé clássico, mais do que uma característica, a disciplina é vista como elemento indispensável para atingir o grau de perfeição desejado. Dentro da idéia de disciplina estão incluídas atitudes como atenção, dedicação, rigor, hierarquia, autoridade, obediência, submissão, respeito, como se pode ver abaixo no trecho extraído de um blog de uma praticante de balé:

“Em primeiro lugar, é muito importante respeitar rigorosamente os horários e a uniformização. Após o começo da aula, deve-se falar apenas o indispensável e manter a atenção sempre voltada à aula, ao próprio corpo, aos passos e a qualquer outra coisa dita pelo professor. É preciso, também, saber aceitar as críticas feitas pelo professor e utilizá-las ao máximo para crescimento próprio. Ballet clássico é algo rígido, e, ao optar por praticá-lo seriamente, é preciso ter consciência disso e simplesmente aceitar”. 3

Como pensar a disciplina na prática contemporânea em dança? É possível ser manter o rigor sem ter rigidez? A hierarquia será mesmo indispensável para manter o respeito? Ou o desenvolvimento da autonomia seria um caminho viável para construir um vínculo de dedicação, atenção e respeito? Como já falei anteriormente, Lenira conduz suas aulas com generosidade, amorosa compreensão, carinhosa disciplina e infinita paciência promovendo a autonomia de seus alunos. Incansavelmente acessível sem abrir mão da disciplina. Endurecer sem perder a ternura! Ereta sim, reta jamais!

3. Verticalidade e simetria: requisitos de uma postura moralmente correta

O ideal de verticalidade da postura corporal humana é bastante longínquo na história ocidental e é defendido por muitos livros técnicos e pelo senso comum. Na antiguidade, os desvios dos segmentos corporais, o relaxamento muscular e a perda da compostura eram vistos como sinais de desvirtuamento da alma. Na Idade Média, o posicionamento mediano do corpo e o alinhamento da cabeça ainda tinham conotação moral, sendo a modéstia, entendida como o ideal da medida e o justo meio, a virtude específica do gesto e da postura. No século XVII as descobertas da Física revolucionaram o pensamento ocidental, firmando-se uma analogia entre corpo e máquina. A retitude corporal continuou a ser considerada requisito à boa postura, mas como uma qualidade mecânica do corpo. Os desvios dos segmentos corporais passaram a ser entendidos como problemas musculares e ósteo-articulares, que deveriam ser tratados através de uma intervenção mecânica corretiva através de aparelhos metálicos ou espartilhos.

No século XIX, essas ações externas foram trocadas por ações internas de contrações musculares corretivas através de exercícios para reforço muscular, juntamente com discursos preocupados com a saúde da população e do desenvolvimento de uma prática corporal cientificamente fundamentada. O corpo reto e rígido almejado em séculos anteriores continuava sendo modelo contemplado nas introduções dos livros sobre ginástica do século XIX, mas, a partir desse momento, ele deve ser obtido através da prática corporal: o indivíduo passa então a ser disciplinador de si mesmo. O conforto e o bem-estar corporal não são mencionados em nenhum desses momentos históricos, e o cuidado com a postura parecia muito mais direcionado ao controle do corpo para moldá-lo a padrões morais, estéticos e culturais do que ao bom funcionamento do organismo.

No século XX surgem novos discursos que situam o corpo como representação e símbolo em vez de considerá-lo apenas uma máquina a serviço da mente. A filosofia existencialista argumenta que somos um corpo, contraposição à idéia de que temos um corpo. Surgem diversas práticas corporais alternativas propondo-se a desenvolver a sensibilidade, a percepção e o bem-estar corporal a partir de um novo olhar sobre o corpo humano. Entretanto, o julgamento moral, explicitamente defendido no século XIX, ainda está implicitamente presente tanto na literatura científica como no senso comum.

A idealização da retitude e simetria postural é predominante tanto como parâmetro de normalidade e saúde corporal quanto como parâmetro de julgamento moral. É fato que o corpo se posiciona verticalmente em relação ao espaço, e é possível que o alinhamento dos segmentos corporais seja favorável à saúde, mas a valorização da retitude postural não se restringe à questão orgânica: simboliza a moralidade da alma humana. Não podemos visualizar a alma, mas a julgamos conforme a aparência do corpo, fazendo com que aqueles que não correspondem a essa idealização sejam socialmente marcados e repreendidos. Quando a postura foge do modelo idealizado como normal, há uma cobrança pessoal e social à mudança da postura em conseqüência de toda uma representação moral que acompanha a verticalidade e a simetria corporal. Adriane Vieira4, em seu artigo “A moralidade implícita no ideal de verticalidade da postura corporal traz a seguinte flexão:

“Considerando que a estrutura corporal está sujeita à força da gravidade, pode-se afirmar que quanto mais desalinhados estiverem os segmentos corporais, maior será a força muscular necessária para equilibrá-los (uns em relação a outros e todos em relação à base de sustentação). Contudo, se para obter o alinhamento corporal tivermos de realizar contrações musculares voluntárias e mantê-las constantemente, deparamo-nos com o mesmo problema: o aumento de tensão muscular...Podemos, então, questionar se realmente a valorização da verticalidade como preceito à boa postura está embasada apenas em parâmetros biomecânicos, ou se conceitos morais, estéticos e culturais estão camuflados no discurso biomecânico”. 4

A verticalidade e a simetria corporal são características da postura do balé clássico. Entretanto, estudos mostram que o treinamento do balé clássico está frequentemente relacionados a problemas de colunas como inclinação lateral do tronco, hipercifose cervical e hiperlordose, está última chegando a acometer 91,3% das bailarinas.5 Para Vaganova, em seu livro “Os Princípios Básicos do Ballet Clássico”, a “fonte da estabilidade” do bailarino é a coluna vertebral. Ela acredita ainda que seja necessário desenvolver a “consciência da exata da localização da 5ª vértebra lombar” e sugere que a região lombar seja percebida “como se puxada para cima enquanto os ombros permanecem naturais e livremente relaxados”. 6

O quadril é a base para uma perfeita colocação postural, por isso é essencial fortalecer os músculos glúteos e abdominais além de promover o alongamento do quadríceps. O arco do pé deve ser estimulado para cima para evitar sobrecarga na articulação. As escápulas devem estar rotacionadas para baixo, sem se fecharem. Deve ainda retrair os ombros e contrair os músculos oblíquos do abdômen para manutenção da postura. Os braços devem ser arredondados, e os cotovelos levemente flexionados”. 7

Acredito que a associação de uma “postura ereta” para o balé clássico seja frequentemente alimentada por imagens de uma coluna retilínea, acabando por gerar tensões desnecessárias que desrespeitam as curvas naturais da coluna vertebral, prejudicando a execução dos movimentos e provocando lesões. ERETO NÃO É RETO! Esta talvez seja a primeira e mais frisada informação durante as aulas de balé clássico com Lenira, refletindo sua preocupação com a não retilização da coluna, estimulando a adoção de uma postura organicamente ereta, onde as sinuosidades anatômicas da coluna sejam respeitadas, promovendo um desenvolvimento técnico individualizado e livre de lesões.

Lenira nos convida a observar a nossa coluna de forma completa (desde o sacro até a cervical) e integrada ao corpo como um todo, ainda que porventura seja a lombar a região mais requisitada durante os exercícios. Dessa forma pude perceber como costumo tensionar o pescoço em diversos movimentos, geralmente sempre que necessito da força abdominal que ainda não tenho. Além disso, como sofro de problemas na articulação têmporo-mandibular (ATM), quase sempre pressiono inconscientemente os dentes, gerando constantemente tensões na região cervical. Sinto que, ainda que não consiga controlar estas tensões, tenho me tornado mais consciente delas e assim tentado relaxar o pescoço e colocar a força onde ela é necessária. Sinto inclusive que ganhei mais força abdominal. Vale ressaltar que neste um ano e meio de prática de balé com Lenira NUNCA senti dores na coluna.

REFERÊNCIAS BIBLIGRAFICAS

1. Disponível em <http://amagiadoballet.blogspot.com/2009/04/o-bale-classico-e-danca-contemporanea.html Acesso em 24/06/2011

2. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Disciplina> Acesso em 28/06/2011

3. Disponível em <http://coisasbailarinisticas.blogspot.com/2009/04/disciplina.html> Acesso em 28/06/2011

4. Disponível em <http://www.rbceonline.org.br/revista/index.php/RBCE/article/viewArticle/308>. Acesso em 02/07/11.

5. Disponível em <http://www.efdeportes.com/efd139/a-postura-corporal-e-o-bale-classico.htm> Acesso em 26/06/2011

6. Disponível em <http://impactocompany.zip.net/> Acesso em 26/06/2011

7. Disponível em <http://www.efdeportes.com/efd139/a-postura-corporal-e-o-bale-classico.htm> Acesso em 28/06/2011

Segunda parte do trabalho apresentado para avaliação da disciplina Técnica de Ballet Clássico I, sob orientação da professoras Lenira Rengel em 2011-1.

2 comentários:

  1. O seu texto é muito bom , mas você não é bailarina é?

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  2. Oi Janaína, sou estudante de Licenciatura em Dança na UFBA. Minha experiência em balé clássico foi na Universidade, já adulta, bem diferente de quem faz balé em academia de balá desde pequena.


    Escrevi este texto quando cursei o componente curricular Técnica de Ballet Clássico I, em 2010.2. A intenção era uma pesquisa crítica sobre os valores do balé comparando a nossa "aula contemporânea" de balé clássico.

    Obrigada pelo comentário e fique a vontade para comentar sempre,

    Um abraço, Evie.

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