30 de outubro de 2012

Ativando o Core: Meus Melhores Momentos em ECO I


O QUE MOTIVA UM SER NOTÍVAGO A ACORDAR COM AS GALINHAS

“Acorda, vem ver a lua, Que dorme na noite escura, Que surge tão bela e branca, Derramando doçura, Clara chama silente, Ardendo meu sonhar”.

São 7h da manhã. A doce voz de Djavan me convida a acordar para ver, não a lua, mas o sol. “Só mais cinco minutinhos”, penso eu ainda com os olhos fechados e volto a dormir. Cinco minutos depois Djavan torna a insistir, enquanto minha mãe abre a porta e a janela do quarto. Junto com elas entram Tina e Bibi, minhas duas cadelas boxers: é a comitiva do “Levanta Evie”. Mas nem os cheiros e as lambidinhas, nem mesmo a claridade conseguem me desviar do meu propósito de permanecer nos braços de Morpheu. Às 7h10 Djavan canta sua última chamada e eu enfim levanto, com olhos semi-cerrados, ainda cheios de sono. Lavo rosto, escovo os dentes, me visto, tomo meu café da manhã sem café. Pego a mochila, a bolsa e o colchonete e lá vou cheia de tralhas entrar no bravo Reginaldo (meu velho Uno Mille) enfrentar um trânsito estressante até chegar a Escola de Dança da UFBA. Pelo terceiro semestre consecutivo venho encarando essa desgastante rotina “antibiológica” por conta do módulo Estudos do Corpo.

Sou um ser notívago! Segundo minha mãe, meus hábitos notívagos se manifestaram desde que comecei a andar, o que geralmente acontecia por volta da meia-noite. Desde os sete anos descobri que acordar cedo sempre seria um suplício, pois o sono não dormido me acompanha durante toda a manhã. Chego à sala de aula e o chão me parece tão aconchegante... Aliás, adoro quando as aulas começam no chão, pois é como se eu estivesse terminando de espreguiçar o que não tive tempo de espreguiçar na cama. Durante as aulas de Estudos do Corpo I (ECO I) o sono parece ter ido embora, mas lá pelas 11h ele retorna impiedoso e quase sempre não consigo evitar alguns cochilos. O banho frio me desperta para ir trabalhar pela tarde. Lá pelas 19h ele me pega de jeito no sofá da minha casa. Desperto pelas 21h com uma ressaca horrorosa, mas às 22h minha energia começa a subir. À meia-noite estou a todo vapor, mas tenho que tentar dormir para novamente acordar com as galinhas. Esse foi o resumo da minha rotina de segunda a sexta durante este primeiro semestre de 2012.

Mas o que faz com que um ser notívago como eu insista em sofrer acordando com as galinhas? Aulas prazerosas, criativas, com tantos pequenos detalhes. Vivenciei tantas coisas especiais em ECO I que encheriam tranquilamente vinte páginas. Mas como o tempo curto e o número de páginas é limitado, tentarei resumir os aspectos que foram mais marcantes para mim. Rejeitarei aqui o formato de relatório técnico-científico sugerido por Cida, pois já algum tempo optei em experimentar uma escrita mais pessoal e lúdica, mais condizente com o tom descontraído das nossas aulas de ECO I. Tomarei licença poética e me permitirei todos os neologismos que tiver vontade. É bem possível que dessa minha “insurreição” resulte um texto desconexo, incoerente, confuso ou até mesmo ridículo. Mas é de minha livre e espontânea vontade assumir este risco. E, parafraseando Júlio César, "Alea jacta est" (a sorte está lançada). Boa Leitura!


REPETIR PARA ENCONTRAR, DECOMPOR, ESQUECER E REMEMORAR
- GILSAMARA MOURA -


“De um mesmo movimento, buscar e encontrar, decompor e unificar, esquecer e rememorar, mas, sobretudo, não se lembrar. /.../ Se dedicar a esquecer, para se dar a chance de ver afluir as múltiplas possibilidades de sua mobilidade”.


Acredito que este trecho do texto “Laban ou a Experiência da Dança” de Isabelle Launay resume bem o efeito das aulas de Gilsamara sobre mim. Durante todo o semestre trabalhamos uma mesma seqüência de exercícios para aquecimento e alongamento, além de apoios, rolamentos, suingues (ou serão swings?) e slides, sempre com algumas variações a cada aula. Para mim, que tenho péssima memória coreográfica, a repetição juntamente com a observação e análise dos movimentos contribuiu para a emergência de grande parte dos movimentos (ainda que não da seqüência tal e qual), durantes os improvisos nas aulas de Estudos dos Processos Criativos I.

As aulas de Gilsamara foram aulas para suar, mas que nem por isso negligenciaram o estudo do movimento. E mesmo sendo necessário o uso de EPI (equipamento de proteção individual), como meias, joelheiras e segunda pele debaixo de um calor infernal, foram aulas gostosas de fazer. Os movimentos dessas aulas foram os que mais “grudaram” na minha memória. Em especial, gostei de praticar slides e rolamentos, inclusive elegi os rolamentos homolaterais como tema da minha pesquisa para o vídeo-seminário (em exibição no Youtube a partir de 26/06/2012).

Nas aulas de Gilsamara pude reconhecer algumas limitações do meu “corpomente”, tanto devido à condromalacia patelar que limita agachamentos e saltos, quanto ao medo de me machucar (especialmente em determinadas torções e quedas). Algumas vezes superei, em outras fiz adaptações, mas confesso que também houve momentos em que desisti sem ao menos tentar, mas que também aprendi olhando os demais colegas fazerem e, por mais louco que possa parecer, sentia como se estivesse fazendo (neurônios espelhos, ativar!).


BATTEMENTS E LEQUES: POR ONDE COMEÇA O MOVIMENTO
- CIDA LINHARES -

No começo do texto comentei que este é o meu terceiro semestre consecutivo que acordo com as galinhas para as aulas de Estudos do Corpo. Entretanto, não falei que comecei meio que “de trás para frente”: ECO III, ECO IV e agora ECO I. A professora Cida foi minha vizinha de sala durante o ano passado. Confesso que seu vozeirão de contralto sempre me deu certo pavor: só conseguia imaginá-la de vareta na mão batendo nas canelas dos alunos durante suas aulas, que na minha imaginação eram exclusivamente do mais clássico ballet!

Quando do processo de aproveitamento de disciplinas fui dispensada de Laboratório de Condicionamento Corporal I e II, comemorei ter “pulado uma fogueira” chamada Carla Leite, popular (e temida por mim) por suas corridas e abdominais. De Cida, porém, não consegui escapar. As aulas foram acontecendo e o pavor foi se transformando em simpatia e suas aulas me trouxeram pelo menos três boas surpresas.

A primeira delas foi a atividade de alongamento em duplas, com foco nas co-contrações e rotação coxofemoral. Uma preparação corporal pensada para o balé? Pode até ser que sim, mas nem por isso pouco útil e eficaz. Pena que fiz poucas dessas aulas, porque aconteciam durante as aulas de Condicionamento Corporal, que passei a freqüentar sempre que conseguia acordar uma hora mais cedo do que o habitual (vejam só que ironia!).

A segunda surpresa foi praticamente um momento único, vai ver que uma espécie de castigo divino devido ao mau juízo que fazia de Cida: estudo de battement tendu (devant, a la second, derrière). A turma foi convidada a estudar o movimento em câmera lenta, em que parte do pé começa, por onde ele volta. Depois experimentamos o mesmo estudo (sem a câmera lenta) para o battement glissé.  

A terceira grande surpresa, talvez a maior de todas foi a de criar uma célula coreográfica a partir de um objeto pessoal, que no meu caso foi o meu inseparável leque. Sei que produzi um mero embrião, pois sinto necessidade de um tempo maior do que a média dos meus colegas para as investigações criativas. Mas tal atividade também “grudou” no meu pensamento. Experimentei primeiramente as formas aberta e fechada do leque em várias partes do corpo e posições. Depois parti para o movimento em forma de semicírculo, já influenciada pelo começo das minhas aulas particulares de Gyrokinesis.

ATIVANDO O CORE: UM OLHAR CINESIOLÓGICO SOBRE A DANÇA
- MÁRCIA SANTIAGO -

Toda receita de sucesso tem seu ingrediente secreto, aquele algo indecifrável que faz toda a diferença. Essa foi a melhor metáfora que encontrei para definir a participação de Márcia. Seu olhar cinesiologicamente treinado é capaz de reconhecer os detalhes mais sutis das nossas dificuldades, deixando no ar uma sensação de encanto de quem acaba de ter uma experiência paranormal. 

Essa “visão de raio X” me mostrou que meus pés pronam quando faço relevé, que tenho pouca mobilidade na região torácica, provável encurtamento na cadeia posterior e também no iliopsoas, que preciso encontrar e ativar meu core (e eu lá sabia que tinha core), sem falar na giba de bisonte. Fora isso, a turma inteira tem escoliose, afinal estudantes de dança são seres humanos (tortos) como qualquer outro.

Tomei conhecimento das quatro fases do aprendizado: incompetente inconsciente, incompetente consciente, competente consciente e competente inconsciente (acho que a etapa mais cruel é aquela em que você se dá conta de que não sabe fazer, e que nem por isso consegue fazer!). O vídeo por ela mostrado sobre as fases do aprendizado motor e sua relação com os rolamentos que fazíamos nas aulas de Gilsamara também foi decisivo para a escolha do tema para o meu vídeo-seminário (em cartaz no Youtube a partir de 26/06/2012)

Suas aulas foram tão magicamente interessantes para mim que passei a me esforçar para acordar uma hora mais cedo para freqüentar as aulas de condicionamento corporal. O olhar de Márcia me proporcionou ainda mais investigar os movimentos observando os alinhamentos, onde e quando meus músculos estão contraídos ou relaxados. A cinesiologia me fisgou de jeito a ponto de me fazer investir 93 dinheirinhos no livro Anatomia da Dança, que pretendo ler da primeira à última página.

Entretanto, o protagonista deste semestre foi o CORE! “Ative o core” foi o slogan de ECO I neste semestre! Conhecer a musculatura do core foi fundamental para tomar consciência de como estabilizar o centro é imprescindível para dissociar os membros com eficiência. Sempre detestei fazer exercícios abdominais, mas tal aversão tem diminuído à medida que venho praticado pensando em outros objetivos senão a forma final, como pensar em mobilizar a coluna, em inspirar/expirar, em não tensionar demais a região cervical (coisa que faço muito).


MAS EIS QUE CHEGA A RODA-VIVA E CARREGA O CORE PRA LÁ

  
Há realmente “dias em que a gente se sente como quem partiu ou morreu”. Foi com o desânimo de quem se confronta com o inevitável que reagi ao anúncio da greve dos professores da UFBA. Mesmo sabendo que o semestre não seria perdido, mesmo sabendo tendo certeza da validade de tudo que foi vivenciado em ECO I, não consigo deixar de me sentir frustrada por não termos chegado até o fim do período letivo. Simplesmente saudades de um semestre que “se foi cedo demais”. 

Relatório final apresentado como avaliação do componente Estudos do Corpo I, sob orientação das professoras Gilsamara Moura, Cida Linhares e Márcia Santiago em 2012-1.

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