25 de junho de 2010

Corpos que Indagam: reflexões sobre dança como arte contemporânea

Nos intervalos dos bailes de dança de salão é muito comum casais ou grupo de casais apresentarem suas “coreografias de exibição”, onde movimentos, figurino e trilha sonora foram previamente definidos. Tais apresentações quase sempre me desagradam. Certa vez, durante uma conversa com outros praticantes das danças de salão, comentei tal insatisfação e não pude evitar comparar tais apresentações com outros espetáculos de dança que já assisti. Foi quando escutei a seguinte afirmação: “Mas é porque existe dança e dança de salão”.

Estimo que os espetáculos de dança contemporânea passaram a fazer parte do meu roteiro de lazer a, pelo menos, quinze anos. Desde então, tenho procurado assistir tudo o que tenho oportunidade. Alguns gosto, outros não. Talvez não compreenda maioria deles. Mas em geral há algo neste tipo de espetáculo que não encontro nas “coreografias de exibição” das danças de salão e que, durante muitos anos, não soube definir o que era.

Encontrei a solução para o meu enigma nas palavras exatas de Helena Kartz, professora e crítica de dança: “A dança que indaga cabe dentro da nomeação de contemporânea e a dança que não interroga seu público pertence à outra espécie”.1 Compreendi então que a minha insatisfação para com as apresentações de dança de salão advinham do fato delas apenas me oferecerem a confortável e entediante condição de espectador passivo, cuja única função é a observação contemplativa do que está sendo apresentado.

Na dança enquanto arte contemporânea, a idéia de espectador como “um sujeito-lugar onde ancora algo produzido fora dele” já não cabe, pois aquele que assisti é também co-criador, transformador e disseminador das informações que recebe, fazendo-se necessário uma apreciação investigativa para entender o que se passa. “A obra me pergunta e cabe a mim levantar hipóteses sobre ela... Parece que há mais a identificar do que o olho capta de imediato... Precisamos construir juntos a legenda do que se passa”. 1 Cada espectador é único, pois a nossa percepção de mundo é uma experiência individual e variável, construída a partir de uma seleção e de uma montagem do que estamos aptos a perceber e que media nossa relação com um ambiente também variável.

Faz-se necessário também uma outra compreensão de corpo. Na proposta de corpomídia, o corpo é entendido como “corpomídia de si mesmo”. 2 Mídia não como um meio de transmissão, mas como um estado do corpo. “O corpo é mídia desse seu estado, por isso é sempre mídia de si mesmo, de cada momento, o que equivale a dizer que ele sempre se apresenta com a coleção de informações que o constituem naquele exato momento. Por isso o corpo não é, o corpo está sendo corpo”. 2 Pensar que a informação se torna corpo traz conseqüências políticas, pois instaura a transitividade no lugar anteriormente ocupado pela noção de identidade.

Será possível então a dança de salão, enquanto técnica, ser utilizada dentro uma concepção contemporânea de dança? Ainda segundo Kartz, na dança contemporânea o mais importante é a forma como são organizadas as informações que vieram das técnicas aprendidas na coreografia. Ou seja, para a dança contemporânea, o “que” o corpo está fazendo (técnica utilizada) perde importância diante do “como e/ou para que” o corpo o está fazendo.

É preciso também deixar de pensar as técnicas como “uma bula de instruções das coreografias em que pode resultar, uma receita de um destino estético” e passar a compreendê-las como possibilidades de composição. Por isso, o simples reconhecimento da técnica utilizada não é suficiente para identificá-la como índice de vínculo para classificação do “tipo de dança”.

Dessa forma, além de comportar as mais diversas técnicas, a dança contemporânea permite o desenvolvimento de propostas pessoais mesmo que encarnadas em determinada técnica, pois “apesar da técnica inscrever marcas que dirigem o desempenho do corpo, os passos, gestos, seqüências e frases podem ser desmontadas e remontadas de modos diversos, desmanchando aquelas expectativas que o hábito automatizou em nós”. 1

Referências

1. KARTZ, HELENA. O corpo como mídia do seu tempo – A pergunta que o corpo faz. In: Rumos Itaú Cultural Dança, CD-ROM. São Paulo, 2004.

2. KARTZ, HELENA. Todo corpo é mídia. Com Ciência, Revista Eletrônica de Jornalismo SBPC, UNICAMP. Disponível em < http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=11&id=87 >. Acesso em 20/06/2010.

3. KARTZ, HELENA. O espectador da arte contemporânea. 2005 (referência não encontrada)

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