19 de abril de 2011

TANGO aDEUS

Ficha Técnica:

Concepção, coreografia, figurino, iluminação e interpretação: Luis Arrieta

Música: Sebastian Piana, Homero Manzi, Astor Piazzolla, Rodolfo Mederos, Juan Carlos Cobian, Leonid Desyatnikov e Giya Kancheli.

Iluminador: Silviane Ticher

Assitente de Palco: Claudia Calachi

Não existe um só tijolo, um só paralelepípedo, uma só esquina, um só pátio, um só céu, uma só lua, um só homem ou mulher, que não carregue e transpire tango em Buenos Aires”. É assim que Luis Arrieta, coreógrafo argentino radicado no Brasil, explica a idéia por trás de seu novo espetáculo, Tango aDeus, que estreou em Salvador na segunda noite do VIVADANÇA Festival Internacional Ano 5. Neste solo, Arrieta compreende o tango como linguagem inerente ao modo de ver e viver o mundo dos portenhos, denominação dada àqueles que nasceram na Cidade de Buenos Aires.

Com as cortinas ainda fechadas ouve-se um tango instrumental e um texto narrado em espanhol pela voz de um homem em off. Ao abrirem-se as cortinas, o público se depara com um ambiente cinzento, enevoado, deserto e decadente, com paredes gastas e canos de água expostos. O intérprete está de costas para o público no fundo à direita do palco. O homem em cena aparenta ter mais de 50 anos. Alguém na platéia diz: - É esse velho quem vai dançar?

Aos 59 anos (38 deles dedicados à dança), Luis Arrieta parece contar com tal reação e executa seus movimentos oscilando entre o cansaço e o vigor, o vacilo e a precisão. A idéia de passagem do tempo ganha força com a proposta de maquiagem (rosto pálido e olhos fundos) e de iluminação (a exemplo do quadrado de luz no centro do palco que vai diminuindo concentricamente até se apagar, bem como no movimento de translação das luzes em torno do artista imóvel). Podia ver-se “o tempo moendo o homem, o homem driblando o tempo e a dor da partida, movimentando-se pela angústia da chegada”, utilizando as palavras de Gil Vicente Tavares em crítica para o observatório do Festival (disponível em http://www.teatrovilavelha.com.br/festivalvivadanca5/pt/observatorio/159-ai-e-com-tadashi-luis-arrieta-e-as-baleias.html)

O que escutei, cuja entonação de voz localizo entre a surpresa e a descrença, me fez refletir o quanto nós ainda estamos presos a um modelo de corpo para a dança, mesmo nos acreditando contemporâneos de nosso tempo. O quanto ainda nos deleita ver em cena corpos jovens, belos e virtuosos. De que forma nós, estudantes-dançarinos, estamos lidando na nossa prática com tais modelos de corpo? O que somos capazes de fazer para obtê-los? Como reagimos à perspectiva da passagem do tempo? Estará mesmo a carreira de dançarino fadada a uma vida curta? Terá o corpo que dança um prazo de validade?

Todo corpo é limitado porque essa é a condição do corpo humano. A diferença é que enquanto alguns dançarinos desistem perante suas limitações, outros as têm utilizado como possibilidades de criação. Arrieta mostra que é possível envelhecer dançando profissionalmente enquanto houver desejo de continuar a expressar-se através do corpo. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo (versão digital disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,coreografo-luis-arrieta-inicia-novo-ciclo,659511,0.htm) ele diz: “Muitos bailarinos passam a vida pensando que dança é movimento, e movimento é transformação, mas não incluem nessa transformação aquela que acontece ao corpo quando ele envelhece. É a busca da dignidade que importa em todas as transformações e, para tal, deve-se ter consciência de que o tempo passa”.

Em Tango aDeus, Arrieta expôs ao público as memórias das suas experiências corporais de vida e de dança: dores, amores, silêncios e perdas registradas em seu corpo “gasto” pelo tempo num solo criado para uma dança a dois. Um tango a Deus? Ou talvez um adeus aos seus anseios de outrora para assim redescobrir as possibilidades de seu corpo maduro, contribuindo para desmistificar estereótipos sobre o corpo que pode dançar.

Texto elaborado para a primeira avaliação do Módulo Esctudos Críticos-Analíticos III em 2011-1

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