8 de dezembro de 2010

Análise crítica do vídeo dança FF►►

Idealizado por Letícia Nabuco e Tatiana Gentile, FF►► foi um dos cinco vídeo danças selecionados na edição 2006-2007 do programa Rumos Itaú Cultural Dança Cultural. Através de uma seqüência de movimentos contínuos e lentos no nível baixo,os intérpretes Letícia Nabuco e Marcello Stroppa mantêm a mesma direção e velocidade e ao som de um tema de jazz vão “avançando” por diversos ambientes urbanos da capital carioca, construindo uma relação espaço-temporal ao mesmo tempo dinâmica e lenta, situação somente possível dentro da realidade virtual deste tipo de obra tecnológica.

Os dançarinos utilizam na sua composição coreográfica as mesmas ações básicas de engatinhar, rolar, agachar, deslizar, levantar e abaixar, porém executadas de formas e combinações diferentes. As especificidades dos ambientes onde a dança acontece determina pequenas variações na ordem e duração dos movimentos de ambas das seqüências. E dessa forma, em aproximadamente seis minutos, os dançarinos “avançam” diferentes locais de passagem da cidade do Rio de Janeiro, como ruas, viadutos, praias, praças, lanchonetes, floriculturas e parques.

FF►► parece propor reflexões sobre a relação espaço-temporal entre corpo e ambiente urbano. Os movimentos lentos e contínuos dos dançarinos contrastam com os ambientes por onde eles passam cujos obstáculos parecem ser incapazes de interromper o desenvolvimento de suas coreografias. A opção por um tema jazzístico como trilha sonora colabora com a idéia de tempo contínuo e lento, tanto pelas características musicais quanto por eliminar grande parte da sonoridade própria de tais ambientes (com exceção do início e do final). A edição das imagens cuidou em preservar a continuidade da seqüência coreográfica, aproximando os ambientes. Desta forma, o tempo lento da execução musical e coreográfica contrasta com a velocidade do avanço geográfico, algo somente possível no mundo virtual.

Linguagem artística surgida das relações entre o cinema e a dança, o videodança possui especificidades próprias. Ivani Santana em “Esqueçam as fronteiras! Videodança: ponto de convergência da dança na cultura digital”, (citada em Souza 2009), propõe que a videodança seja compreendida como “um ponto de convergência, de onde, a partir de mediações entre linguagens, emerge uma nova”, pois ainda que determinada obra seja feita a partir de uma coreografia pré-existente à captura, sua configuração como videodança se dará a partir de um entrelaçamento de linguagens, o que a tornará pertencente a um novo meio.

Não cabem, portanto, comparações ou afirmativas preconceituosas como “o vídeo é utilizado para camuflar a falta de habilidades corporais”, uma vez que se trata de meios diferentes, e que requerem habilidades diferentes. Como diz Souza (citada em Souza 2009), “assim como não basta colocar um corpo em cena e dizer que é dança, não bastam imagens de um corpo em movimento para caracterizar a videodança”. Dessa forma, esta autora sugere então uma compreensão de videodança a partir do diálogo entre a dança e a tecnologia, propondo “um universo novo que não existe em outro lugar que não seja o espaço de criação, dado por três momentos espaço-temporais: corpo, câmera e montagem”.

A discussão do corpo na videodança envolve tanto sua relação com a câmera quanto a questão da materialidade. O corpo virtualizado na imagem pode ser reconfigurado e manipulado através de abordagens diversas. Este corpo não é obrigatoriamente humano ou mesmo antropomórfico. Entendendo a corporificação da informação como sua materialização no mundo físico, a corporificação da videodança se dá na mídia. Doulgas Rosenberg em “Notas sobre a dança para câmera e manifesto” (citado em Grotto e Silva, 2010) lança questionamentos do tipo “o que ocorre quando o corpo é o instrumento que inscreve sua própria imagem em um filme?” e diz, ainda, que “a dança para câmera recupera corpos mortos, reinventando-os e recorporalizando-os”. O corpo que se desmancha só fará sentido na obra em questão, enquadrado pela câmera e relacionado aos elementos descritos.

No vídeo dança o corpo é problematizado e discutido no domínio da dança, o que traz a esta discussão um olhar específico. Para Grotto e Silva (2010), faz-se necessário que tal olhar parta não somente da dança e nem que se reduzida a ela.

Não se pode colocá-la como protagonista da interface dança-vídeo, observando apenas a modificação de suas estruturas coreográficas, formas de movimento na tela, papel e conceito do bailarino, etc. O que vemos na maioria das problematizações teóricas acerca do vídeo dança é a referência ao vídeo apenas como uma simples ferramenta, sem voltar-se às suas especificidades enquanto mídia audiovisual, insistindo na idéia de que a dança ainda é a parte principal do híbrido.

(GROTTO, SILVA, 2010, p.5-6)

Os autores também alertam ainda sobre o potencial deste tipo de obra tecnológica para revelar a dança em espaços distintos dos tradicionais. “A possibilidade de montar uma coreografia em um banheiro, numa praça e registrá-la em vídeo e lançá-la para o público é uma maneira de colocá-la em outros lugares. E esse deslocamento simbólico parece ser uma metáfora dos novos contextos sociais, dos quais a dança passa a ocupar quando da sua interação com as novas tecnologias”. Além disso, esse tipo de mídia permite que a dança se torne um evento artístico possível de ser recebido por grandes massas, provocando alterações na relação emissor-receptor envolvida na dança.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FF►►. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=vxIseze3VSQ Acesso em: 11 nov 2010.

GROTTO, Valdair. SILVA, Diego. Vídeo, Dança e Comunicação e suas ligações com mídia. Goiânia: Universidade do Estado do Mato Grosso, 2010.

SOUZA, Isabel C. Especificidades da Videodança: o hibridismo, experiência tecnestésica e individualidade no trabalho de jovens criadores brasileiros. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2009)

Resumo da resenha crítica sobre o vídeo dança FF►►, elaborado pelas licenciandas em dança Evie Souto Miranda e Carolina Luisa Bastos Santos, como quarta avaliação parcial do módulo Estudos Críticos Analíticos IV, orientado pelos professores Fernando Passos e Lúcia Matos (UFBA: Salvador, 2010-2)

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