4 de junho de 2011

Os Oito Elementos da Dança segundo Robert Cohan

No Capítulo “The Elements of Dance” 1, do seu livro “The Dance Workshop”, Robert Cohan propõe um aprendizado de dança desenvolvido a partir de oito elementos que ele considera como fundamentais. Ele acredita que, à medida que o dançarino vai significando cada um destes elementos no próprio corpo, seu conhecimento sofre uma progressiva transformação. Cohan denominou como técnica o aprendizado global destes oito elementos fundamentais.

1. CENTRALIDADE

Cohan considera a centralidade (a percepção do centro físico no próprio corpo) como o primeiro elemento fundamental para se dançar bem. Para ele, a centralidade é que dá unidade ao corpo quando em movimento. Uma vez que se perceba a movimentação a partir do centro, o controle do mesmo torna-se mais eficaz. Ele afirma a existência de “um ponto central identificável em nosso corpo”, único, localizado “um ou dois centímetros abaixo do umbigo, no meio da pelve, dependendo do tamanho e peso das pernas”, considerando pequenas variações individuais. Cohan até considera possível desenvolver belos movimentos de extremidades mesmo não estando “centrado”, porém não os considera como resultantes de um “mover-se bem”.

Durante os exercícios para percepção de centro motor, foi levantada a questão da viabilidade ou não de se executar um movimento que não seja a partir do centro. A turma então enveredou pela discussão sobre a unicidade e imobilidade da centralidade proposta por Cohan. O também americano William Forsythe2 questiona a premissa da estabilidade e orientação no espaço a partir de um centro único e fixamente localizado no corpo e propõe a idéia de uma multicentralidade móvel: para Forsythe, um ou mais centros podem ser ativados de forma sucessiva ou mesmo simultânea em qualquer parte do corpo, propiciando o surgimento de múltiplas cinesferas.

Curiosamente, neste texto (1986) Cohan utiliza o modelo atômico3 de Rutherford-Bohr (onde os elétrons giram em órbitas específicas em torno de um núcleo central) para ilustrar sua idéia de centralidade, apesar da postulação do princípio da incerteza de Heisenberg (“todo corpúsculo atômico pode comportar-se como onda e como partícula”) justamente no ano do nascimento de Cohan (1925). Recordei então da analogia utilizada por Helena Katz em seu livro Um, Dois, Três - A Dança é o Pensamento do Corpo 4 de que o pensamento clássico em dança estaria para a física clássica, assim como o pensamento contemporâneo para a física quântica. Dessa forma, a proposta de centralidade de Cohan, mesmo impregnadas de idéias modernistas, parece estar , mais próximo do pensamento clássico do que do contemporânea em dança?

2. GRAVIDADE

O segundo elemento proposto por Cohan é a gravidade, a força natural de atração que atua sobre todos os corpos (humanos e celestes) existente desde o princípio do universo e descrita por Isaac Newton5 em 1687. Para nós, que vivemos sobre a superfície da Terra, a gravidade é a força que nos “empurra para baixo”, que nos “pressiona contra” o solo e nos mantém em contato com o mesmo.

Cohan considera a gravidade como uma força inibidora do movimento. “Sua força para baixo é tão grande que é difícil para nós saltar mais alto que um pé no ar. Na verdade, é uma maravilha que nós possamos nos mover sobre duas patas”, diz o autor chamando atenção para os milhões de anos do processo de evolução do bipedalismo humano, caracteristica incomum dentre os mamíferos, e que hoje podemos realizar de forma automática devido a assimilação destas habilidades por nossos centros motores autônomos.

Cohan afirma que é essencial que os dançarinos desenvolvam um “profundo senso físico da força da gravidade”, dos diferentes pesos que tem cada parte do corpo durante o movimento. “Quanto mais familiarizado você estiver com energia incansável da gravidade, mais você será capaz de libertar-se da sua atração”. Em sala experimentamos tanto exagerar no peso dos movimentos (sensação a favor da gravidade) quanto aumentar os espaços interarticulares, com intenção de “sair do chão”, de “subir mesmo quando nos movemos para baixo”. A essa sensação Marcelo Moacyr chamou de antigravidade. Para mim foi especialmente interessante perceber a mudança na qualidade de peso de um mesmo movimento quando o executamos pensando em projetar o corpo no espaço, percebendo a contraposição das forças que atuam contra e a favor da gravidade durante o movimento.

3. EQUILIBRIO

Cohan propõe o equilibrio como um estado de atividade constante, que acontece mesmo quando estamos em repouso. “Na dança, o equilíbrio é, sobretudo, a arte de alcançar uma relação interna entre todos os pontos do seu corpo que você pode realizar em sua consciência”. Os estados de equilibrio são resultantes de um conjunto de tensões de apoio mútuo entre todas as partes do corpo, internas e externas, dependendo diretamente da posição do corpo durante o repouso ou quando em movimento.

Durante a experimentação do equilibrio em posições assimétricas, foi possível perceber diferentes tensões necessárias para sua manutenção e, a partir dees informação, as possibilidades de continuar o movimento. Em outras palavras, ao sermos capazes de reconhecer onde é necessário tensionar para que o equilíbrio se mantenha, descobrimos também caminhos por onde outros movimentos podem ser produzidos a partir do desestabilização da posição anterior.

Cohan sugere ainda a utilização de imagens para “encontrar uma sensação de equilíbrio interior reconhecível ocorrendo em seus músculos”. A partir desta sensação, o autor sugere sua imitação consciente para que possamos “a relação interna dos músculos, ossos, articulações, veias e nervos” e dessa forma reproduzi-la. Em casa, tentei realizar o exercicio abaixo proprosto pelo autor:

“Cruze as pernas, deixe-se inclinar para um lad, e contrabalançar com a cabeça. Agora, tente sentir a relação interna entre as partes de seu corpo. Onde existe pressão e peso? Sua coluna está curvada, inclinada ou esticada? De que forma você está contrabalançando o peso da sua cabeça? Como está o seu pé direito em relação ao seu cotovelo esquerdo? Você pode memorizar a posição e retomá-la mais tarde? Você está em equilíbrio? Se não, mude-o ligeiramente até sentir uma harmonia interior. Você pode sentir seu corpo inteiro de uma vez?”

Para mim ainda é dificil essa percepção tão minuciosa. A memorização da posição me pareceu quase impossível. Cheguei ao ponto de gravar (em audio e imagem indepedentes) enquanto experimentava e respondia às perguntas em voz alta do exercicio. Nas duas tentativas seguintes de reprodução, a primeira a partir do que havia memorizado até então e a segunda reproduzindo a partir da descrição do audio, não consegui repetir com fidelidade o que havia feito da primeira vez.

4. POSTURA

Segundo Cohan, a postura revela não só os sentimentos do dançarino, mas também pode revelar intencionalmente sentimentos em seu corpo. O alinhamento do corpo está intimamente ligado com os elemento centralidade, gravidade e equilíbrio, e por conseguinte, evoluirá à medida que desenvolvemos os três primeiros. Apesar disso, o autor aconselha trabalhar a postura de forma independente. Ele sugere ainda que para alcançarmos uma “boa postura para a dança”, precisamos mudar a percepção de nosso próprio corpo, pois muitas vezes “há uma grande discrepância entre o que se sente e o que acreditamos ser o certo”.

Em sala de aula trabalhamos com uma noção mais ampla de postura, incluindo além do alinhamento, a energia necessária para se dançar bem. Postura como um estado corporal de prontidão para a dança que o corpo se propõe a fazer. Dessa forma, cada dança teria uma postura ótima com a qual somos capazes de executar da melhor forma possível a dança que nos propomos a fazer. Investigamos as posturas no tango, da gafieira e da dança tribal. No tango, experimentamos dançar invertendo os elementos dessa postura (exemplo, apoiando-se sobre os calcanhares ao invés dos metatarsos) e discutimos a partir daí sobre a funcionalidade ou não de uma “antipostura” na dança.

5. GESTO

O corpo comunica sentimentos e idéias através de padrões de movimento. A raiva, por exemplo, é expressa em padrões de movimento muito diferentes daqueles provocados pela alegria ou pela tristeza. O gesto, quinto elemento proposto por Cohan, pode ser definido com uma manifestação do corpo que se comunica.

Durante sua evolução, a espécie humana desenvolveu uma linguagem comum do gesto como estraégia social de sobrevivência em grupo. Gestos sutis podem demonstrar cooperação, confiança ou agressividade. Braços cruzados sobre o peito são um muro de proteção. Mãos na cintura significam "mostrar", enquanto os punhos nos quadris são ainda mais desafiadores, exigindo comprovação de algo. Mãos estendidas na frente sugerem que você está pronto para dar ou receber. Segurar a cabeça para frente demonstra ansiedade; inclinála para um dos lados, interese. Elevar os ombros é um gesto de não saber ou não se importar; curvar os ombros para frente exprime dor”.

Em sala experimentamos criar e observar os gestos a partir de seqüências de movimentos. Foi possível perceber que por trás de todo movimento existe um pensamento, sentimento ou atitude. Todo pensamento gera um gesto que modifica o ritmo e o peso do movimento. Até mesmo a imobilidade, como proposta de “antigesto”, não está isenta de comunicar. A observação de si e do outro é um exercicio útil para reconhecer nossos gestos e refletir sobre o que eles comunicam, podendo ser usado que serve para criar sequências de movimento que são histórias da experiência humana.

6. RITMO

Para o autor, o ritmo é inerente ao ser humano, muito embora reconheça que algumas pessoas não estejam “tão conscientes ou sensíveis a ele”. Ele exemplifica como a vida é permeada por ciclos e ritmos, desde o passar dos tempos, com seus dias, meses e estações do ano até a frequência cardíaca e respiratória.

“Um bom senso de ritmo é essencial para a dança. Encontrar o seu sentido de ritmo é uma questão de prestar atenção”. Para isso ele sugere utilizar a música como instrumento no desenvolver da percepção rítmica. No texto, ele propõe exercícios de ritmica como encontrar o pulso utilizando palmas, o acento musical para reconhecer o compasso e deslocar-se no pulso da música, já conhecidos da turma nas aulas de Estudos dos Porcessos Criativos III.

Em sala de aula, experimentamos como as alterações de ritmo refletem no significado do gesto. Um mesmo movimento executado com ritmos diferentes pode comunicar coisas distintas. Por exemplo, uma respiração profunda quando executada em ritmo lento comunica tranquilidade, ao passo que em ritmo acelerado comunica euforia ou ansiedade.

7. MOVIMENTO NO ESPAÇO & RESPIRAÇÃO

Não houve experimentação especifica direcionada aos dois últimos elementos de dança de Cohan. Ele chamou de movimento no espaço, “a consciência do espaço ao nosso redor”. Ele considera o espaço como “um elemento tangível através do qual nos movemos”. Quanto à respiração, vale ressaltar que nossa turma já vem trabalhando de forma específica com sua consciência e “controle” durante o movimento desde o começo do semestre com Patricia Leal nas aulas de Estudos do Corpo III. Não tem sido tarefa simples perceber a respiração durante o movimento, menos ainda coordená-los e integrá-los. Apesar das dificuldades, tenho percebido o quanto a respiração é fundamental para a fluência do movimento, funcionando como um meio de expressividade.

8. NOTAS SOBRE O AUTOR

Nascido em Nova York em 1925, Robert Cohan6 teve grande influência no desenvolvimento da dança moderna na Grã-Bretanha, onde é considerado pioneiro no ensino da técnica de dança contemporânea. Estudou na Martha Graham School e em 1946 ingressou profissionalmente na Martha Graham Dance Company. Em 1957 iniciou sua longa carreira como coreógrafo. Em 1962 tornou-se co-director da Companhia juntamente com Bertram Ross. Em 1967, a convite de Robin Howard, tornou-se o primeiro diretor artístico do Contemporary Dance Trust em Londres e, como tal, fundou o The Place, London Contemporary Dance School e o London Contemporary Dance Theatre, o qual dirigiu durante vinte anos. Em 1988, Robert Cohan foi premiado com um CBE honorário em reconhecimento à sua inestimável contribuição à dança no Reino Unido, ganhando nacionalidade britânica. Em 2005, o 80 º aniversário do Robert foi celebrado com uma apresentação de gala. Não foi possível precisar se o autor ainda é vivo nos dias atuais. Entretanto tudo indica que sim, posto que seu nome consta na relação dos membros do Conselho de Governadores do The Place, London Contemporary Dance School.

9. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

1. COHAN, R. “THE ELEMENTS OF DANCE”. In The Dance Workshop. London: Gaia Books, 1986.

2. RENGEL, L. "DICIONARIO LABAN." São Paulo:Annablume, 2003.

3. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Modelo_at%C3%B4mico>. Acesso em 19/05/2011)

4. KATZ, H. “UM, DOIS, TRÊS. A DANÇA É O PENSAMENTO DO CORPO”. Belo horizonte: FID Editorial, 2005.

5. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Isaac_Newton>. Acesso em 19/05/2011)

6. Disponível em <http://www.theplace.org.uk/4696/about-the-place/robert-cohan.html>. Acesso em 19/05/2011)

Texto elaborado a partir das experiências teórico-práticas realizadas nas aulas de Estudos do Corpo III sob orientação do professor Marcelo Moacyr em 2011-1.

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