O QUE MOTIVA
UM SER NOTÍVAGO A ACORDAR COM AS GALINHAS
“Acorda,
vem ver a lua, Que dorme na noite escura, Que surge tão bela e branca,
Derramando doçura, Clara chama silente, Ardendo meu sonhar”.
São 7h da manhã. A doce voz de Djavan me convida a acordar para ver, não a lua, mas o sol. “Só mais cinco minutinhos”, penso eu ainda com os olhos fechados e volto a dormir. Cinco minutos depois Djavan torna a insistir, enquanto minha mãe abre a porta e a janela do quarto. Junto com elas entram Tina e Bibi, minhas duas cadelas boxers: é a comitiva do “Levanta Evie”. Mas nem os cheiros e as lambidinhas, nem mesmo a claridade conseguem me desviar do meu propósito de permanecer nos braços de Morpheu. Às 7h10 Djavan canta sua última chamada e eu enfim levanto, com olhos semi-cerrados, ainda cheios de sono. Lavo rosto, escovo os dentes, me visto, tomo meu café da manhã sem café. Pego a mochila, a bolsa e o colchonete e lá vou cheia de tralhas entrar no bravo Reginaldo (meu velho Uno Mille) enfrentar um trânsito estressante até chegar a Escola de Dança da UFBA. Pelo terceiro semestre consecutivo venho encarando essa desgastante rotina “antibiológica” por conta do módulo Estudos do Corpo.
Sou um ser notívago! Segundo minha mãe, meus hábitos notívagos se
manifestaram desde que comecei a andar, o que geralmente acontecia por volta da
meia-noite. Desde os sete anos descobri que acordar cedo sempre seria um
suplício, pois o sono não dormido me acompanha durante toda a manhã. Chego à
sala de aula e o chão me parece tão aconchegante... Aliás, adoro quando as
aulas começam no chão, pois é como se eu estivesse terminando de espreguiçar o
que não tive tempo de espreguiçar na cama. Durante as aulas de Estudos do Corpo
I (ECO I) o sono parece ter ido embora, mas lá pelas 11h ele retorna impiedoso
e quase sempre não consigo evitar alguns cochilos. O banho frio me desperta
para ir trabalhar pela tarde. Lá pelas 19h ele me pega de jeito no sofá da
minha casa. Desperto pelas 21h com uma ressaca horrorosa, mas às 22h minha
energia começa a subir. À meia-noite estou a todo vapor, mas tenho que tentar
dormir para novamente acordar com as galinhas. Esse foi o resumo da minha
rotina de segunda a sexta durante este primeiro semestre de 2012.
Mas o que
faz com que um ser notívago como eu insista em sofrer acordando com as
galinhas? Aulas prazerosas, criativas, com tantos pequenos detalhes. Vivenciei tantas
coisas especiais em ECO I que encheriam tranquilamente vinte páginas. Mas como
o tempo curto e o número de páginas é limitado, tentarei resumir os aspectos que
foram mais marcantes para mim. Rejeitarei aqui o formato de relatório
técnico-científico sugerido por Cida, pois já algum tempo optei em experimentar
uma escrita mais pessoal e lúdica, mais condizente com o tom descontraído das
nossas aulas de ECO I. Tomarei licença poética e me permitirei todos os
neologismos que tiver vontade. É bem possível que dessa minha “insurreição”
resulte um texto desconexo, incoerente, confuso ou até mesmo ridículo. Mas é de
minha livre e espontânea vontade assumir este risco. E, parafraseando Júlio
César, "Alea jacta est" (a sorte está lançada). Boa Leitura!
REPETIR
PARA ENCONTRAR, DECOMPOR, ESQUECER E REMEMORAR
- GILSAMARA
MOURA -
“De um mesmo movimento, buscar
e encontrar, decompor e unificar, esquecer e rememorar, mas, sobretudo, não se
lembrar. /.../ Se dedicar a esquecer, para se dar a chance de ver afluir as
múltiplas possibilidades de sua mobilidade”.
Acredito que este trecho do texto “Laban ou a Experiência da Dança” de
Isabelle Launay resume bem o efeito das aulas de Gilsamara sobre mim. Durante
todo o semestre trabalhamos uma mesma seqüência de exercícios para aquecimento
e alongamento, além de apoios, rolamentos, suingues (ou serão swings?) e slides,
sempre com algumas variações a cada aula. Para mim, que tenho péssima memória
coreográfica, a repetição juntamente com a observação e análise dos movimentos
contribuiu para a emergência de grande parte dos movimentos (ainda que não da
seqüência tal e qual), durantes os improvisos nas aulas de Estudos dos
Processos Criativos I.
As aulas de Gilsamara foram aulas para suar, mas
que nem por isso negligenciaram o estudo do movimento. E mesmo sendo necessário
o uso de EPI (equipamento de proteção individual), como meias, joelheiras e segunda
pele debaixo de um calor infernal, foram aulas gostosas de fazer. Os movimentos
dessas aulas foram os que mais “grudaram” na minha memória. Em especial, gostei
de praticar slides e rolamentos, inclusive elegi os rolamentos homolaterais
como tema da minha pesquisa para o vídeo-seminário (em exibição no Youtube a
partir de 26/06/2012).
Nas aulas de Gilsamara pude reconhecer algumas
limitações do meu “corpomente”, tanto devido à condromalacia patelar que limita
agachamentos e saltos, quanto ao medo de me machucar (especialmente em
determinadas torções e quedas). Algumas vezes superei, em outras fiz
adaptações, mas confesso que também houve momentos em que desisti sem ao menos
tentar, mas que também aprendi olhando os demais colegas fazerem e, por mais louco
que possa parecer, sentia como se estivesse fazendo (neurônios espelhos,
ativar!).
BATTEMENTS
E LEQUES: POR ONDE COMEÇA O MOVIMENTO
- CIDA
LINHARES -
No começo do texto comentei que este é o meu
terceiro semestre consecutivo que acordo com as galinhas para as aulas de
Estudos do Corpo. Entretanto, não falei que comecei meio que “de trás para
frente”: ECO III, ECO IV e agora ECO I. A professora Cida foi minha vizinha de
sala durante o ano passado. Confesso que seu vozeirão de contralto sempre me
deu certo pavor: só conseguia imaginá-la de vareta na mão batendo nas canelas
dos alunos durante suas aulas, que na minha imaginação eram exclusivamente do
mais clássico ballet!
Quando do processo de aproveitamento de
disciplinas fui dispensada de Laboratório de Condicionamento Corporal I e II,
comemorei ter “pulado uma fogueira” chamada Carla Leite, popular (e temida por
mim) por suas corridas e abdominais. De Cida, porém, não consegui escapar. As
aulas foram acontecendo e o pavor foi se transformando em simpatia e suas aulas
me trouxeram pelo menos três boas surpresas.
A primeira delas foi a atividade de alongamento
em duplas, com foco nas co-contrações e rotação coxofemoral. Uma preparação
corporal pensada para o balé? Pode até ser que sim, mas nem por isso pouco útil
e eficaz. Pena que fiz poucas dessas aulas, porque aconteciam durante as aulas
de Condicionamento Corporal, que passei a freqüentar sempre que conseguia
acordar uma hora mais cedo do que o habitual (vejam só que ironia!).
A segunda surpresa foi praticamente um momento
único, vai ver que uma espécie de castigo divino devido ao mau juízo que fazia de
Cida: estudo de battement tendu (devant,
a la second, derrière). A turma foi convidada a estudar o movimento em câmera
lenta, em que parte do pé começa, por onde ele volta. Depois experimentamos o
mesmo estudo (sem a câmera lenta) para o battement
glissé.
A terceira grande surpresa, talvez a maior de
todas foi a de criar uma célula coreográfica a partir de um objeto pessoal, que
no meu caso foi o meu inseparável leque. Sei que produzi um mero embrião, pois
sinto necessidade de um tempo maior do que a média dos meus colegas para as
investigações criativas. Mas tal atividade também “grudou” no meu pensamento.
Experimentei primeiramente as formas aberta e fechada do leque em várias partes
do corpo e posições. Depois parti para o movimento em forma de semicírculo, já
influenciada pelo começo das minhas aulas particulares de Gyrokinesis.
ATIVANDO
O CORE: UM OLHAR CINESIOLÓGICO SOBRE A DANÇA
-
MÁRCIA SANTIAGO -
Toda receita de sucesso tem seu ingrediente
secreto, aquele algo indecifrável que faz toda a diferença. Essa foi a melhor
metáfora que encontrei para definir a participação de Márcia. Seu olhar
cinesiologicamente treinado é capaz de reconhecer os detalhes mais sutis das
nossas dificuldades, deixando no ar uma sensação de encanto de quem acaba de
ter uma experiência paranormal.
Essa “visão de raio X” me mostrou que meus pés
pronam quando faço relevé, que tenho
pouca mobilidade na região torácica, provável encurtamento na cadeia posterior
e também no iliopsoas, que preciso encontrar e ativar meu core (e eu lá sabia
que tinha core), sem falar na giba de bisonte. Fora isso, a turma inteira tem
escoliose, afinal estudantes de dança são seres humanos (tortos) como qualquer
outro.
Tomei conhecimento das quatro fases do
aprendizado: incompetente inconsciente, incompetente consciente, competente
consciente e competente inconsciente (acho que a etapa mais cruel é aquela em
que você se dá conta de que não sabe fazer, e que nem por isso consegue
fazer!). O vídeo por ela mostrado sobre as fases do aprendizado motor e sua
relação com os rolamentos que fazíamos nas aulas de Gilsamara também foi
decisivo para a escolha do tema para o meu vídeo-seminário (em cartaz no
Youtube a partir de 26/06/2012)
Suas aulas foram tão magicamente interessantes
para mim que passei a me esforçar para acordar uma hora mais cedo para
freqüentar as aulas de condicionamento corporal. O olhar de Márcia me
proporcionou ainda mais investigar os movimentos observando os alinhamentos,
onde e quando meus músculos estão contraídos ou relaxados. A cinesiologia me
fisgou de jeito a ponto de me fazer investir 93 dinheirinhos no livro Anatomia
da Dança, que pretendo ler da primeira à última página.
Entretanto, o protagonista deste semestre foi o
CORE! “Ative o core” foi o slogan de ECO I neste semestre! Conhecer a
musculatura do core foi fundamental para tomar consciência de como estabilizar
o centro é imprescindível para dissociar os membros com eficiência. Sempre
detestei fazer exercícios abdominais, mas tal aversão tem diminuído à medida
que venho praticado pensando em outros objetivos senão a forma final, como
pensar em mobilizar a coluna, em inspirar/expirar, em não tensionar demais a
região cervical (coisa que faço muito).
MAS EIS
QUE CHEGA A RODA-VIVA E CARREGA O CORE PRA LÁ
Há realmente “dias em que a gente se
sente como quem partiu ou morreu”. Foi com o desânimo de quem se confronta com
o inevitável que reagi ao anúncio da greve dos professores da UFBA. Mesmo
sabendo que o semestre não seria perdido, mesmo sabendo tendo certeza da
validade de tudo que foi vivenciado em ECO I, não consigo deixar de me sentir
frustrada por não termos chegado até o fim do período letivo. Simplesmente
saudades de um semestre que “se foi cedo demais”.
Relatório final apresentado como avaliação do componente Estudos do Corpo I, sob orientação das professoras Gilsamara Moura, Cida Linhares e Márcia Santiago em 2012-1.
Nenhum comentário:
Postar um comentário